sexta-feira, 21 de agosto de 2009

1208) “Henry e June” (26.1.2007)



Vi no DVD este filme de Philip Kaufman, que narra o período, no início dos anos 1930, em que o americano Henry Miller e a francesa Anaïs Nin se conheceram em Paris, tiveram um caso amoroso e decolaram em suas respectivas carreiras literárias, ambas fortemente marcadas pelo erotismo. O filme poderia chamar-se Henry e Anaïs, mas o título que tem rende homenagem a June, a esposa americana de Miller, a qual durante muito tempo fez programas para sustentar a literatura do marido, que ela considerava um gênio. As duas mulheres executam em torno dele um complexo bailado de idas e vindas, atração e ciúme. Seu comportamento soa curiosamente reprimido e problemático, numa época permissiva como a nossa. Naquele tempo, as revoluções sexuais eram revoluções morais, porque os indivíduos se sentiam na obrigação de justificar moralmente seus atos. Hoje, o sexo tornou-se uma mercadoria como qualquer outra, mesmo quando não envolve dinheiro vivo. É moeda-de-troca nas relações de poder, de fama, de controle social. A imprensa descreve Henry Miller como “um dos pioneiros da liberação sexual de nossa sociedade”, mas se Miller visse o preço dessa liberação, pediria eutanásia.

Anaïs Nin é interpretada por Maria de Medeiros, atriz portuguesa com tipo de Betty Boop e enormes olhos expressivos. June é Uma Thurman, longa, esguia, problemática, depressiva. Miller é Fred Ward, que tem uma certa semelhança física com o escritor e cujo olhar de permanente deboche tem algo da sua impudência naquela época. Miller é um autor execrado pelas feministas, por sua masculinidade agressiva, escrachada, polígama. Sua obra foi um corte definitivo entre os conceitos de amor e de sexo, coisa que os autores (e autoras) de temperamento romântico jamais lhe perdoaram. Miller defendia a idéia de que o sexo é bom, é natural, é legítimo, e que o compromisso entre as partes se encerra quando elas saem da cama. Por outro lado, Miller dizia que a sociedade americana transformava tudo em mercadoria e em jogo de poder, e que o sexo deveria afastar-se disso, ser vivido fisicamente, duas mentes e dois corpos voltados um para o outro.

J. G. Ballard via em Miller o apogeu da literatura operária, da literatura feita por sujeitos simples, sem formação sofisticada, autodidatas, que se acham no direito de viver a vida como lhes dá na telha e de escrever uma literatura própria, sem se preocupar com modelos. Seus livros mais conhecidos são os “Trópicos” (de Câncer e de Capricórmio) e a trilogia da “Crucificação Encarnada” (Sexus, Plexus e Nexus). Não se espere de Miller a criação de tramas originais ou a descrição de personagens memoráveis. Sua literatura é um relato pessoal, centrado no próprio Eu, como um livro de viagens. Foi chamado de barroco, de beatnik, de surrealista, de pop. Tinha um pouco disto tudo, mas sua obra foi acima de tudo um dos maiores auto-retratos literários de seu século.

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