sexta-feira, 17 de julho de 2009

1159) Tempos interessantes (30.11.2006)




(Hendrik Van Loon)

Dizem que quando os chineses querem rogar uma praga a alguém dizem: “Tomara que você viva em tempos interessantes!”

São aqueles tempos em que não há monotonia nem pasmaceira, aqueles tempos em que tudo pode acontecer, em que (para usar minha expressão favorita) o campo probabilístico fica mais intenso e por toda parte começam a brotar “o estranho, o bizarro, o inesperado”.

E tudo é uma questão de gosto. Há quem prefira a placidez contemplativa da rotina, dos dias que se sucedem todos iguais. E há quem goste do tumulto, de viver perigosamente no olho do furacão.

Numa carta ao escritor Van Wyck Brooks, em 1938, Hendrik Van Loon (cujo nome não é desconhecido dos leitores de Monteiro Lobato, que baseou nele alguns de seus livros) tentou consolar o colega, preocupado com os tempos negros que estavam vivendo durante os anos da Grande Depressão nos EUA:

“Os tempos sempre foram assim. Nós nascemos num período intermediário, 1880-1914, e é fácil nos iludirmos pensando que essa foi uma época normal. Não foi. Foi uma pausa para respirar, curta e agradável. Agora, estamos de volta à normalidade das coisas”.

Interpretar histórias individuais a partir do chamado “momento histórico” é sempre arriscado. Ninguém vive numa torre-de-marfim, claro, mas a verdade é que os altos e baixos de nossa vida pessoal nem sempre (ou quase nunca) coincidem com os altos e baixos da vida política e econômica do país.

Para não nos afastarmos muito da Grande Depressão dos EUA, basta lembrar que os anos 1930 foram um período de ouro do cinema de Hollywood, assim como da “pulp fiction” vendida em bancas de jornal. Por quê? Porque em tempos de depressão econômica o divertimento barato é um dos bens mais preciosos.

A América inteira estava passando fome, populações inteiras viravam retirantes carregando suas tralhas amarradas em cima de velhas fubicas, sacolejando em estradas poeirentas. Milhares de acampamentos de refugiados sem-terra espalhavam-se pelo país. E para quem trabalhava com cinema, ou escrevia ficção-científica ou histórias policiais, foi “The Golden Age”.

Tivemos algo parecido aqui: entre 1964 e 1968, na primeira fase da ditadura militar (a fase mais moderada, antes da radicalização produzida pelo AI-5 em dezembro de 68), tivemos uma fase de intensa criatividade e politização no teatro, na música, no cinema, etc. Quem visse de fora pensaria que o Brasil estava vivendo um surto de democracia inédito.

Eram tempos interessantes, apesar do clima de terror e paranóia (qualquer sujeito envolvido com cultura, jornalismo, arte, etc. sabia que bastaria a denúncia falsa de um desafeto para que ele fosse preso como simpatizante do terrorismo e tratado de acordo).

Ingleses que viveram em Londres durante os bombardeios alemães na II Guerra lembram-se dessa época como “o tempo mais feliz da minha vida”. A possibilidade da morte e a certeza de estarem lutando por uma boa causa tornava a Guerra um tempo interessante.







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