sexta-feira, 19 de junho de 2009

1104) Superstição e megalomania (29.9.2006)



(ilustração: Tony d'Agostinho)

Em seu famoso ensaio sobre o “Uncanny” (o Estranho, o Sinistro), Sigmund Freud aponta, como um dos fatores propiciatórios desse contato com uma realidade perturbadora, o que ele chama de “onipotência do pensamento”, que conduz ao pensamento mágico. Do que se trata? Trata-se da sensação instintiva de que o nosso pensamento é capaz de modificar a Realidade sem tocar nela, por um simples esforço da vontade. Freud situa isso numa fase da evolução da mente infantil, em que a criança imagina ou deseja ser capaz de impor suas venetas às pessoas e objetos à sua volta.

A literatura fantástica está cheia de ilustrações dessa fantasia inofensiva, que, quando tratada realisticamente, produz pesadelos arrepiantes. Há um conto de Jerome Bixby, adaptado por Steven Spielberg para um dos episódios do seu Fronteiras da Realidade (Twilight Zone), versão cinematográfica do antigo seriado de TV Além da Imaginação, onde um menino é capaz de transformar seus desejos em realidade. No filme, os adultos vivem humilhados, aterrorizados, bajulando o garoto sem parar, porque sabem que basta uma pequena contrariedade para que ele os faça desaparecer com um piscar de olhos.

Toda a Magia se baseia nisto, tanto a dos índios primitivos quanto a dos intelectuais europeus da Renascença e do Iluminismo. Eles criam que rituais encantatórios, cumpridos à risca, podiam influenciar o Mundo sem ter com ele nenhum tipo de contato. Todos nós lembramos a divertida frase de João Saldanha: “Se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano só terminava empatado”. A frase é perfeita, mas do ponto de vista técnico, os adeptos da Magia podem argumentar que o Campeonato de lá é na verdade uma disputa para ver quem é capaz do feitiço mais bem-feito, do ritual executado com mais rigor. É esse quem decide os gols de uma partida na Fonte Nova ou no Barradão.

Eu que o diga. Quando eu tinha 13 anos, um simples jogo do Treze era cercado dos mais complicados rituais. Nos meus cadernos de anotar resultados, tinha canetas que davam sorte e outras (eu só o descobria tarde demais!) que davam azar. Quando o Treze foi campeão invicto em 1966, vi todos os jogos com a mesma camisa. Quando ouvia os jogos pelo rádio, eu cismava que todas as vezes que aumentava o volume o time jogava bem, e quando o abaixava o time jogava mal. Daí a pouco, a altura do rádio estava insuportável. Minha mãe surgia esbravejando à porta da cozinha, colher-de-pau em punho. Que fazia eu? Esperto, dava uma abaixada total no volume, e ficava aumentando de tiquinho em tiquinho cada vez que a bola rondava a grande área.

Toda superstição é uma forma de humildade (reconhecimento de que o Universo é movido por forças mais poderosas do que nós) e de megalomania – o palpite de que essas forças podem ser bajuladas, seduzidas, estudadas, manipuladas de forma solerte, transformando-nos, ao trilar do apito final do juiz, em Senhores do Universo.

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