Em tempo de Copa, voltam a ressoar os clichês de sempre: “a Europa curvou-se ante o Brasil”, “com o brasileiro não há quem possa”, etc. Slogans triunfais que tentam revogar, com uma penada, nosso complexo de inferioridade diante da Europa e da América do Norte. (Por alguma razão freudiana, nenhum brasileiro se sente inferior aos africanos ou aos asiáticos.) De 1958 em diante fizemos do futebol o principal argumento para nos convencermos de que não somos uma sub-raça, não somos vira-latas, não somos terceiro-mundo (na cabeça de quem pensa assim, estes três termos são sinônimos).
Mas, afinal, quem é que se acha inferior aos europeus e norte-americanos? Curiosamente, não é o povão. O povão brasileiro consegue admirar, boquiaberto, as façanhas econômicas e sociais daqueles povos, mas nem por isso deixa de achar que o seu próprio sistema de vida vale a pena. Pergunte a um sertanejo nordestino, a um morador de periferia de metrópole, a um capiau do Sudeste ou Centro-Oeste, a um pescador litorâneo ou a um dono de bodega de cidadezinha do interior: “O sr. acha que o povo brasileiro é inferior ao povo dos Estados Unidos?” O máximo que ele vai dizer é: “Inferior não! É mais pobre e mais bagunçado, mas pode muito bem tomar jeito”. Tirando aqueles que estão mergulhados na depressão profunda da miséria (e são muitos milhões, acreditem), os brasileiros do Brasilzão podem se achar injustiçados, sacaneados, esquecidos, explorados, irresponsáveis, o escambau. Inferiores, nunca.
O complexo de inferioridade, o complexo de vira-lata a que se referiu tantas vezes Nelson Rodrigues, é cultivado pelas nossas elites, a quem cabem as fatias mais gordas do PIB, as melhores oportunidades de estudo e trabalho, e a quem compete dialogar com os países estrangeiros – os nossos políticos, nossos diplomatas, nossos industriais, nossos banqueiros, nossos artistas, nossos intelectuais... Estes, que vivem em contato com o “mundo lá de fora”, enrubescem de vergonha todas as vezes que, lá fora, são identificados como brasileiros e tratados como cidadãos de segunda classe. Estes, que em princípio seriam os únicos batizados contra o pecado original da pobreza, são os que mais se angustiam ao perceberem que isso não lhes garante a entrada automática no Paraíso do Primeiro Mundo.
“É coisa de Primeiro Mundo!” Com que volúpia, com que inveja, com que suplício de Tântalo os membros da nossa elite vira-lata pronunciam esta frase, toda vez que vêem algo limpo, algo bonito, algo organizado, algo decente, algo justo, algo bem-feito, algo que é como devia sempre ser. Com que desespero eles constatam que são civilizados o bastante para saberem o que é “bom”, mas não o bastante para compartilharem daquilo em sua plenitude – porque trazem em seu DNA esses genes mulatos, caboclos, terceiro-mundistas. Talvez isto explique a volúpia de Tânatos que possui essa elite, disposta a afundar o país mesmo que tenha de morrer afogada junto com ele.
Disse tudo, parabéns!
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