segunda-feira, 20 de abril de 2009

0988) O crime e as vidraças quebradas (17.5.2006)



A polícia norte-americana tem adotado no combate ao crime aquilo que os especialistas chamam de “broken window theory”, a teoria das vidraças quebradas. Segundo ela, a maneira mais eficaz de prevenir o surgimento de crimes graves é reprimir os pequenos, antes que eles evoluam para dar lugar aos grandes. Suponhamos um bairro onde as casas fechadas ou prédios abandonados começam a ter as vidraças quebradas, a ser invadidos pelo mato, a ter suas paredes cobertas de graffiti. Quem passa pela rua vê grupos de mendigos rodeados de caixas de papelão, praticamente habitando aquele espaço. Por todo lado há sinais de abandono e desordem: cantos de parede transformados em mictório, lixo amontoado e não recolhido, postes com lâmpadas quebradas... Todos estes sinais de desorganização e descaso (diz a teoria) são o ambiente ideal para a ocorrência de crimes mais graves como assaltos, tiroteios, consumo de drogas a céu aberto, e assim por diante.

Dizem os defensores da teoria: “Nossas percepções afetam a realidade. A aparência de desordem acaba produzindo um grau de desordem equivalente. Sinais visíveis de que existe ausência de controle social num bairro podem transformar esse bairro num terreno fértil para o crescimento do crime. Uma vidraça que fica quebrada durante muito tempo é um sinal de que ninguém está ligando, e de que se alguém quebrar outras vidraças vai ficar tudo por isso mesmo”. Existe um longo debate a este respeito; uma das críticas principais a esta teoria é de que ela conduz a um aperto policial cada vez mais forte nos bairros mais pobres, onde estas pequenas transgressões têm mais probabilidade de aparecer.

Esta questão tem dois lados, e um exemplo que me parece útil é o caso das pichações de muros nas grandes cidades. Não me refiro aos graffiti criativos, sejam verbais ou visuais; me refiro à mania narcisista de rabiscar compulsivamente aqueles monogramas ilegíveis em qualquer superfície indefesa. Quem faz isto são dois grupos: rapazes pobres, sem oportunidades na vida, que se sentem excluídos da cidade e querem revidar incomodando-a; e rapazes de classe média que se julgam donos da cidade e portanto autorizados para “zoar” impunemente, porque se houver qualquer problema papai vai buscá-los na Delegacia e dar um esbregue no Delegado (ver “Pichadores”, 29.4.2003).

Minha geração tem uma parcela de culpa nisto, porque, diante do totalitarismo de uma ditadura e das hipocrisias dos políticos, das igrejas e das escolas, glorificávamos às cegas qualquer tipo de transgressão, de desobediência, de marginalidade, de desrespeito, de “ser do contra”. “Ser do contra” acabou se transformando num valor em si, mas em vez de conduzir à Revolução Socialista conduziu a isto: um capitalismo triunfante e suicida em que rapazes pobres quebram vidraças porque nunca poderão morar num prédio como aquele, e rapazes ricos quebram vidraças porque se for preciso papai vai lá e paga.

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