(Coelho Neto)
Esta expressão (que se pronuncia “romanaclê”) significa “romance com chave”, e se aplica a certa obras literárias que usam pessoas reais ocultas sob nomes fictícios. Escritores recorrem a isto por diferentes motivos. Às vezes o cara quer descrever o espírito de uma época, os tipos humanos que a caracterizaram, e quer utilizar episódios reais; mas ao mesmo tempo quer ter liberdade suficiente para dar uma ajeitadinha nos fatos, fazer com que ocorram de uma maneira mais interessante do que realmente ocorreram; em suma, copidescar a História. Aí, em vez de um relato autobiográfico, faz um romance-com-chave onde personagens e fatos são alternadamente reais e inventados.
Um dos meus exemplos preferidos é a obra-prima A Conquista, de Coelho Neto, onde ele mostra a vida boêmia e literária do Rio de Janeiro durante a Campanha da Abolição. Alguns personagens históricos aparecem sob seu próprio nome, como José do Patrocínio. Outros, sob nomes mal disfarçados: “Otávio Bivar” é Olavo Bilac, “Paulo Neiva” é Paula Nei, e assim por diante. Outros, como “Anselmo Ribas” e “Ruy Vaz”, são pseudônimos que o próprio Coelho Neto usou na vida literária, e parecem corresponder a diferentes facetas do próprio autor.
Pode ocorrer que o autor queira fugir a eventuais processos jurídicos por estar descrevendo pessoas reais de forma pouco lisonjeira. Contar os milagres e trocar os nomes dos santos passa a ser uma manobra lícita para escapar a um processo (embora nem sempre o autor escape de vinganças por meios não-oficiais). Outras vezes, o autor faz uma alegoria totalmente distanciada da realidade que está descrevendo, mas ainda assim quer deixar claro quem é quem: um exemplo disto é A Revolução dos Bichos de George Orwell, uma sátira à Revolução Russa, onde “Napoleão” é Stálin, “Bola de Neve” é Trotsky, e assim por diante.
Autores que descrevem um ambiente social repleto de gente famosa sabem que bastam dois ou três traços para dar ao leitor a pista sobre quem é quem, como ocorre com obras como as de F. Scott Fitzgerald ou Marcel Proust. Faz parte do espírito da coisa que um “roman à clef” não dê nenhuma pista explícita sobre esse tipo de correspondência, deixando que os críticos literários e as colunas de fofocas (dois círculos que muitas vezes se interseccionam) se encarreguem de montar o quebra-cabeças.
O perigo de um “roman à clef” é permitir que este jogo de identificações e substituições se torne mais importante que a obra literária. Hoje, não precisamos saber a quem correspondem os personagens de Fitzgerald. Seus livros se sustentam sozinhos, sem o álibi da vida real para lhes conferir substância de forma indireta. Sustentam-se enquanto histórias, e seus personagens valem porque são personagens antes de serem ecos ou referências a pessoas que existiram um dia. Infelizmente, na maioria dos romances com chave, se tirarmos a chave não fica quase nada para sustentar o romance.
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