(Zidaantje: "Erasing the Past")
O que aconteceria se um pulso eletromagnético extremamente forte apagasse, em alguns segundos, todos os arquivos magnéticos do planeta? A hipótese pode ser despropositada, mas, ao menos por exercício imaginativo, vale a pena tentar explorá-la até mais adiante. Será que poderia ocorrer uma interferência energética tão forte que obliterasse todos os nossos registros? Talvez isto seja impossível de ocorrer com arquivos gravados em CD, por exemplo; mas, pelo que sei, grande parte dos arquivos das grandes empresas, indústrias, bancos, etc. estão gravados em suportes magnéticos (como os discos rígidos de computador) que talvez possam ser apagados desta forma. Mesmo que parte desses registros sobreviva a uma “tempestade magnética” (ou, terroristicamente, a um “bombardeio magnético”), fico imaginando a proporção do caos que poderia resultar disto.
Bancos paralisados no mundo inteiro, Bolsas de Valores idem. Aeroportos com as torres de comando inviabilizadas. Satélites mudos, redes de TV fora do ar. Dizem que o sistema telefônico seria a infra-estrutura mais confiável, e por isto a Internet foi concebida como uma rede de comunicação alternativa para o caso de uma catástrofe nuclear, por exemplo. Mas a questão é: quanto tempo levaria para que todos estes serviços (telecomunicações, transportes, bancos, etc.) se reorganizassem e voltassem a funcionar? Dias, semanas, meses? E como seria controlado o caos, enquanto a normalidade não fosse restabelecida?
Os escritores de ficção científica lidam diariamente com essas possibilidades imaginárias, porque elas lhes permitem criar histórias interessantes e cheias de suspense, e o diálogo literário e técnico entre essas histórias ajuda o pessoal que cuida desses sistemas na vida real a prever problemas, imaginar cenários ou modelos de crises futuras, e preparar soluções. Ou seja, essa literatura-da-catástrofe acaba cumprindo uma função social útil. Mas ela cumpre também um outro papel, de ordem simbólica e psicológica. Somos uma sociedade baseada na memória, no registro e acúmulo de informações. Será que sobreviveríamos a uma “amnésia planetária”, a uma destruição dos arquivos, dos registros e dos documentos de nossa civilização?
Nosso contrato social, tudo que rege nossa vida financeira, política, administrativa, se baseia na existência de memória, se baseia em nossa confiança de que compromissos assumidos no mês passado ou há dez anos continuam valendo. Sem provas e sem os detalhes técnicos destes compromissos, sem acesso à infinidade de minúcias que os governam, como continuar a cumpri-los? Como administrar com justiça milhões de situações individuais (contas bancárias, por exemplo) quando todas as informações foram pro espaço? Fala-se no incêndio da Biblioteca de Alexandria, mas o que dizer de um incêndio que fosse capaz de consumir todas as bibliotecas e arquivos do mundo, em poucos minutos e ao mesmo tempo, deixando todo o resto intocado?
Eis aí um tema que também me preocupa há tempos. A dita civilização ocidental perdeu grande parte de seu... acervo (por falta de palavra melhor) com as turbulências do Baixo Império e o princípio da Idade Média. Só a partir do Século XIII, muito lentamente, o legado greco-romano foi sendo recuperado; ainda assim, muito lentamente. Porém, se imaginarmos um futuro em que todas as obras do pensamento e da arte tiverem sido definitivamente digitalizadas, pela primeira vez na história será possível que a humanidade perca tudo, tudo, literalmente tudo que construiu... Assustador, não?
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