domingo, 22 de março de 2009

0904) A auto-ajuda quântica (8.2.2006)



Uma resenha no jornal o anunciava como um “documentário sobre Física Quântica”, e corri para ver o filme Quem somos nós” (“What the bleep do we know?”), em cartaz aqui no Rio. De vez em quando eu trisco no tema quântico aqui nesta coluna, não porque o compreenda, mas porque percebi que dá ibope. Vejo a toda hora uma socialite dizer que “depois dos 50 adotou uma visão quântica da vida”, ou então um diretor de teatro asseverar que “o palco contemporâneo precisa assumir uma multiplicidade quântica de pontos de vista”, ou então uma mocinha dizer que fugiu com o namorado “porque a Física Quântica nos ensina que devemos escolher o nosso próprio universo”.

Não ria, caro leitor. Não, também não chore, não adianta. A Ciência está aí para isso mesmo: para ser divulgada, diluída, popularizada, transformada em arroz-de-festa, ser desentendida até que alguém a entenda. Na primeira metade do século, aconteceu com Einstein e Freud. Os papos de coquetel daquela época foram subitamente invadidos por expressões como “trauma”, “complexo”, “o Inconsciente”, “velocidade da luz”, “tudo é relativo”, “E=mc2”. Ninguém entendia bulhufas, mas estas palavras eram as roupas da moda com que os interlocutores vestiam suas surradíssimas idéias de sempre.

Está acontecendo agora com outras ciências, como por exemplo a Genética. “Não posso parar de tomar champanhe,” explica uma socialite, “é algo que está no meu genoma!”. Eu mesmo estou volta e meia usando aqui nesta coluna frases como “as canções dessas bandas são lambada pura, usam sanfona mas não têm o DNA do forró”. Idem idem a Física Quântica, cujos conceitos são distorcidos, deformados, transformados em clichês do cotidiano; mas, repito, é o preço que se tem de pagar pela popularização.

“Quem somos nós?” tenta explicar o assunto, mas recorre a uma dramatização desnecessária e inepta, com uma protagonista neurótica, maus atores, situações e diálogos de uma vacuidade assombrosa. Existem algumas animações interessantes, e entrevistas didáticas que não esclarecem muito. Entre os cientistas entrevistados está Fred Alan Wolf, autor de Taking the Quantum Leap, livro que li deliciado em 1985 e que, este sim, explica tintim-por-tintim os processos quânticos básicos. Wolf é meio marginalizado hoje como um pensador “New Age”, juntamente com Fritjof Capra, autor de O Tao da Física, e este filme mostra por quê. Quando um cientista sai da torre-de-marfim e tenta se aproximar do Povo, descobre que fora da torre está “assim” de charlatães, e que agora é visto como um deles.

Se você não sabe nada sobre Física Quântica, não vai sair do cinema sabendo muito mais. O filme tem boas intenções mas escolhe o caminho errado para expor suas idéias. A maneira mais adequada de explicar a Física Quântica é através de animação gráfica, geométrica, abstrata, e da encenação dos experimentos mentais clássicos (v. “O gato de Schrodinger”, 26 e 29 de julho de 2005).

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