sábado, 7 de março de 2009

0867) A loucura social (27.12.2005)




(Mrs. Goebbels)

Está nos jornais desta semana. Se acharem que é mentira minha, googlem os nomes e verifiquem. Nazeer Ahmed, um pai de família do Paquistão, levantou-se no meio da noite, foi na cozinha buscar uma faca bem afiada, entrou pé ante pé nos quartos onde dormiam suas quatro filhas (respectivamente com 25, 12, 8 e 6 anos de idade) e cortou o pescoço de todas elas. 

O crime causou grande comoção da cidade de Burewala, a 110 km de Multan, no leste do país. Depois de consumadas as execuções, o que fez o nosso bravo Nazeer? Pegou o camelo e sumiu no deserto? Correu para o aeroporto mais próximo, munido de passaporte falso e barba postiça? Não: apresentou-se à polícia, informou o que tinha acontecido, assumiu toda a responsabilidade pelo ato e disse que tinha feito isto para lavar a honra da família, pois Muqadas, a filha mais velha, tinha se casado contra a sua vontade, dizendo que queria se casar por amor, e não por imposição da família. 

“Sim,” disse o policial, “ela, eu entendo, mas, e as outras?” Ele esclareceu: “Para não seguirem o mau exemplo”.

Esta última resposta mostra o grau de desequilíbrio mental do cidadão. Parece mostrar uma certa falta de confiança em si mesmo como pai, uma certeza de que sua autoridade, uma vez desafiada, nunca mais conseguirá se impor; mas para mim revela o pavor de um indivíduo que sente estar enfrentando forças de vastidão cósmica, forças misteriosas contra as quais só se pode lutar tomando decisões extremas. 

Nazeed não disse, mas deve achar que essa história de casar por amor é uma loucura contagiosa, e que a única maneira de livrar as meninas de uma tal psicose seria matando-as.

Minhas amigas feministas dirão que a culpa é do machismo, que nega às mulheres o direito de casar por amor, direito que em nossa sociedade moderna e cosmopolita é tão indiscutível quanto o de respirar oxigênio. Mas eu “desconcordo”. Lembro, por exemplo, o caso recente daquela mocinha de São Paulo que, por amor, juntou-se ao namorado e matou os pais enquanto dormiam. O caso dela é o avesso do caso de Nazeer. Em ambos, eu chamo a isso loucura social. A capacidade de matar por uma emoção, por um conceito de felicidade ou de ordem.

No recente filme A queda – Os últimos dias de Hitler, a esposa do Ministro Goebbels diz ao marido, ao ver que Hitler está derrotado: “Não quero que meus filhos cresçam num mundo que não seja nacional-socialista”. Com notável frieza, obriga as cinco crianças a tomar um narcótico, e depois que estão adormecidas vai nos beliches, coloca entre os dentes de cada uma delas uma cápsula de cianureto e, com uma leve pressão, faz a cápsula se partir. Um arquejo, algumas contrações do corpo, e está tudo acabado. 

Nosso mundo está cheio de casos assim. Alguém mata pessoa que ama (ou que em princípio deveria amar) porque ela contradisse uma aparente unanimidade social. Disse Nelson Rodrigues que toda unanimidade é burra. Digo eu que qualquer unanimidade é potencialmente criminosa.









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