Numa oficina literária, quando o orientador propôs aos alunos um exercício para desenvolver uma técnica qualquer, um deles repondeu: “Eu não quero fazer exercícios técnicos. O excesso de técnica está matando a poesia. Poesia não é técnica, é sentimento. Pode-se fazer poesia sem técnica, mas não se faz poesia sem emoção”.
Temos aí um ótimo exemplo de verdades e equívocos tão misturados quanto uma xícara de café com leite. Vamos tentar separá-los de volta. Peguemos a primeira frase, para mim a mais sincera de todas: “Eu não quero fazer exercícios técnicos”. Isto, sim, é uma verdade límpida e indiscutível. Um neófito geralmente não gosta desse tipo de coisa. Garotos em geral detestam exercícios de matemática, exercícios físicos, qualquer coisa que exija ao mesmo tempo esforço e disciplina.
“O excesso de técnica está matando a poesia”. Concordo. Folheando antologias poéticas a gente se depara muitas vezes com poemas e mais poemas numa técnica impecável e que não dizem absolutamente nada, pelo menos a este leitor que vos fala. Um dos problemas da técnica é que quando pensamos tê-la dominado acabamos sendo dominados por ela. Ela toma conta de nossa mente, invade tudo que queremos escrever. Viramos uma máquina repetitiva, como aqueles guitarristas que improvisam super bem mas são incapazes de acompanhar uma música (e incapazes de deixar que os companheiros também improvisem).
“Poesia não é técnica, é sentimento”. Errado. Poesia (qualquer arte) é um máximo de tensão possível entre sentimento e técnica. A técnica serve para compactar o sentimento, torná-lo útil, dar-lhe sentido. Pense num automóvel. O automóvel tem dois sistemas: um de propulsão (motor) e um de deslocamento (pneus). Poeta que acha que poesia é só emoção é como um motorista que acha que um automóvel é apenas um motor acelerando e quatro pneus rodando. Mas a propulsão é controlada pela caixa-de-marchas, e os pneus são controlados pelo volante e a transmissão. A técnica não serve para matar a emoção, mas para recebê-la, comprimi-la, multiplicar sua força propulsora, projetá-la numa direção em que ela se desperdice o menos possível e chegue aonde quer chegar. Emoção com técnica é ar comprimido: tem poder. Emoção sem técnica é ar boiando no ar.
“Pode-se fazer poesia sem técnica, mas não sem emoção”. Discordo da primeira parte, concordo com a segunda. Ninguém faz poesia sem técnica. Juntar um B com um A para dizer BA é técnica, assim como todo o resto que daí decorre. Poeta que não gosta de técnica é como jogador de futebol que não gosta de lidar com a bola, quer apenas entrar em campo e ser visto pela torcida. Quanto à emoção, acho que quem quer ser poeta parte de uma emoção inicial: amor pela poesia, amor pela palavra, amor pela frase, amor pelas infinitas possibilidades da fala e da escrita. Se você não ama essas coisas, caro colega, vá ser cineasta, pintor, artista plástico, qualquer coisa cuja técnica lhe emocione.
Bom demais Braulio! Valeu cabra!
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