sábado, 28 de fevereiro de 2009

0852) Corra, Lola, corra (9.12.2005)



Revi há pouco tempo, numa sessão de cineclube, o filme alemão Corra, Lola, corra, seguido de um debate com o físico Luís Alberto de Oliveira. O filme brinca com o conceito de Tempo através de uma história muito simples, contada três vezes de modo diferente. Lola recebe um telefonema do namorado, que se meteu numa encrenca. Ele topou fazer um repasse de drogas para um mafioso local, entregou as drogas, recebeu 100 mil marcos para entregar ao mafioso, mas acabou perdendo o saco com o dinheiro. Agora, ele e Lola têm apenas 20 minutos para conseguir 100 mil marcos. Ele pensa em assaltar uma loja. Ela pensa em chantagear o pai, que é banqueiro.

A história é contada num ritmo frenético, principalmente porque Lola tem um preparo físico de cair o queixo: ela corre a pé pela cidade, tentando resolver tudo a tempo. O filme conta a aventura do casal até uma certa altura, com um desfecho trágico. Depois, volta tudo ao ponto de partida, e a história acontece de novo, com vários detalhes diferentes, e outro desfecho trágico. Zera-se tudo outra vez; e novamente Lola sai pela cidade afora, e mais uma vez pequenas coisas acontecem de maneira diferente: ela deixa de esbarrar em alguém com quem esbarrara na “versão” anterior, por exemplo. E na terceira versão, chega-se a um final satisfatório.

Luís Alberto, entre outros comentários, propôs que víssemos no filme não três histórias sucessivas, em que depois de cada um “voltamos no Tempo” e começamos tudo de novo. Na teoria dos Universos Paralelos, imaginada pela Física (e muito explorada pela ficção científica), essas histórias existem simultaneamente, e basta uma variação infinitesimal em qualquer fato para que exista um Universo “ao lado”, que difere do nosso apenas nesse pequeno detalhe. As três aventuras de Lola estão acontecendo ao mesmo tempo, em universos um tanto afastados um do outro. Num deles uma pessoa morre num tiroteio. No outro, há o tiroteio mas ninguém se fere. Em outro o tiroteio é evitado, e assim por diante.

Agora à noite, por exemplo, eu ia sair para dar minha caminhada habitual (sou um sujeito de hábitos saudáveis), mas começou a chover e eu sentei ao computador para escrever este artigo. Num universo vizinho, não choveu, e estou lá caminhando. Num terceiro, alguém me chamou ao telefone, e estou batendo papo. Num quarto, fiquei lendo; num quinto, estou tomando café com a pamonha que acabei de comprar no Largo do Machado; num sexto, estou tomando café com bolacha; num sétimo, estou caminhando, mas choveu depois de dez minutos, voltei e fui ver TV; num oitavo, choveu depois de vinte minutos, voltei e estou escrevendo outro artigo... e por aí vai.

Borges explorou belamente esta fantasia físico-matemática em “O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam”. O filme Corra, Lola, corra nos mostra as três bifurcações do caminho de Lola; ou nos mostra três dos infinitos universos em que a história de Lola, como a nossa, existe simultaneamente.

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