Todo mundo as tem, não é mesmo? O mais interessante é que as superstições tanto podem ser coletivas como personalizadas. As coletivas aparecem em todo livro de folclore: espelho quebrado, gato preto, passar embaixo de escada, derramar sal na mesa, treze convivas...
As superstições individuais podem ter origem familiar. Eu, por exemplo, não posso ver uma tesoura aberta (vou logo fechar) nem um chinelo emborcado (vou lá e desemborco). Por que? Imagino que porque minha mãe era assim, e eu herdei telepaticamente essa enorme sensação de desconforto diante dessas coisas.
Algum crítico metido a espertinho virá me brandir o dedo: “Arrá! Quer dizer que você vive se gabando de ser científico e agnóstico, e tem medo dessas coisas?” Não é medo, meu caro. É incômodo. Tesoura aberta? Uma criança pode vir e se cortar. Chinelo emborcado? É como quadro torto na parede, prato sujo na mesa, cueca largada no chão do banheiro. Dá uma má impressão danada.
As superstições podem ter origem numa razão real. Quem passa embaixo de escada, por exemplo, arrisca-se a ter um tijolo ou uma lata de tinta caindo sobre sua cabeça. Melhor rodear, não é mesmo?
A história de que treze pessoas à mesa dá azar vem do fato que os serviços de mesa, os famosos “faqueiros”, vinham com doze unidades de cada peça; treze pessoas à mesa significava que os anfitriões iam passar maus bocados para acomodar o comensal extra. (Mentira minha: inventei essa agora, mas, graças à Internet, daqui a cem anos ela estará em todos os manuais de folclore.)
Quebrar um espelho está associado à morte, porque subentende-se que a pessoa que o fez “destruiu a própria alma”, ou seja, a própria imagem refletida. E assim por diante.
A superstição é uma pequena zona de tabu que estabelecemos, conscientemente ou não, em torno de certos gestos, palavras, objetos. É um folclore-de-uma-pessoa-só, se se pode tolerar o oxímoro, uma vez que a palavra “folk” implica num fenômeno coletivo. Todo mundo as tem, embora em geral só saibamos as dos amigos mais próximos e as das pessoas famosas.
Guimarães Rosa assim descrevia a superstição: “Percepção e arejo, defensivo psíquico automatismo, uma respiração cutânea do espírito, talvez”.
Nas páginas iniciais de “São Marcos” (em Sagarana) ele faz um censo minucioso dessas intuições auto-normativas. Rosa detestava que mencionassem seu nome em conexão com o Prêmio Nobel. Diferentemente de Borges, que sonhou em vão com o prêmio a vida inteira, o escritor mineiro achava que esse negócio era de mau agouro.
Achava o mesmo da Academia Brasileira de Letras: durante anos, como é sabido, adiou a própria posse, temeroso de que o coração (que não andava muito bem) não aguentasse. E foi dito e feito: morreu três dias depois de empossado. Premonição? Auto-sugestão? Ou simplesmente a mente dividida em duas, a que cria tabus para si própria e a que os desafia?
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