quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

0847) O Estudante de Praga (3.12.2005)




A antologia João Martins de Athayde (Editora Hedra, São Paulo, 2000; Coleção “Biblioteca de Cordel”) traz um precioso material sobre o grande cordelista. Além do texto completo de oito folhetos, temos uma introdução escrita por Mário Souto Maior, a transcrição de um depoimento de Waldemar Valente, datado de 1976, e uma longa e esclarecedora entrevista com a viúva do poeta, D. Sofia Cavalcanti de Athayde, concedida em 1980.

Na introdução, Mário Souto Maior lembra que a principal distração do poeta era ir ao cinema, o que é confirmado pela viúva. Diz ela: 

“Ele gostava muito de cinema. Ele tinha uma mania de toda noite ir ao cinema, sozinho (...) Cinema Glória, Ideal, São José. Mas o que ele mais frequentava era o Ideal.” 

Ela não lembra nenhum folheto do marido inspirado em filmes, e em sua introdução Mário Souto Maior comenta: “Interessante é o fato de o poeta, pelo que me consta, nunca haver escrito um folheto baseado em algum filme.”

Há pelo menos um folheto de Athayde diretamente inspirado no cinema. Trata-se do romance (32 páginas) O estudante que se vendeu ao diabo. A edição que consultei é de 1949, podendo haver outras mais antigas. 

O folheto é claramente inspirado no filme O Estudante de Praga, um clássico do Expressionismo Alemão, que teve pelo menos três versões: a de Stellan Rye em 1913, a de Henrik Galeen em 1926, e a de Arthur Robison em 1935. Em uma destas duas últimas Athayde provavelmente se baseou para criar seu folheto.

O herói do folheto chama-se Balduíno (como o herói das três versões cinematográficas). É um estudante e hábil espadachim que vende a alma ao diabo para enriquecer e poder casar-se com Olga, uma moça rica, noiva de um barão. Um homem misterioso vai a sua casa, dá-lhe uma bolsa cheia de ouro inesgotável, e leva consigo o reflexo do estudante no espelho. Ele fica rico, mas passa a evitar os ambientes onde haja espelhos, para que ninguém perceba que ele não tem imagem. 

Um dia, o barão, com ciúmes de Olga, o desafia para um duelo. Ele decide não ir, mas depois descobre que seu “reflexo” compareceu ao duelo e matou o barão. Ele arrepende-se, e no final desfere um tiro contra o próprio peito: a bala espatifa o espelho e ele ao voltar a si percebe que os cacos de vidro novamente o refletem.

O argumento do folheto coincide em muitos pontos com o dos filmes (que aliás se baseavam todos num conto de H. Heinz Ewers). 

A narrativa de Athayde, rica e fluente como sempre, reconstitui a narrativa cinematográfica com bastante senso da imagem, como na cena em que o Diabo entra no quarto do estudante: 

Balduíno entrou em casa 
sentou-se e pôs-se a cismar 
quando olhando para a porta 
viu o velho atravessar 
a porta mesmo fechada 
ficou de cara espantada 
vendo o homem assim passar. 

As trucagens do cinema mudo são descritas no cordel com o tom exato de ingenuidade, deslumbramento e tosca magia, como se os dois tivessem sido feitos um para o outro.



P.S.: o folheto que consultei pertence à coleção da Casa de Rui Barbosa (Rio de Janeiro), que já está em parte digitalizada, mas ao que parece este título ainda não o foi. (2017)




2 comentários:

  1. Bráulio, como posso conseguir a entrevista da viúva de Athayde, concedida em 1980?

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  2. Weber: pelo que sei, essa entrevista só está transcrita nesse livro, cuja referência dou no início do meu artigo. Você pode tentar encontrá-lo na Estante Virtual (o portal dos sebos brasileiros), ou com a própria Editora Hedra, de São Paulo

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