segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

0765) Uma cidade à venda (31.8.2005)



Eu vivo falando mal do capitalismo, mas uma coisa fascinante que ele tem é essa facilidade com que manipula o mundo real como se fosse um texto ou um desenho animado. O capitalismo diz: “Quero que o mar vire sertão!” e pimba! O mar vira sertão. O capitalismo diz: “Quero uma pirâmide onde existia um deserto!” (ou vice-versa), e pimba! A possibilidade de lidar com grandes capitais, alavancar grandes projetos, produzir grandes efeitos, etc. é uma das coisas mais fascinantes do Sistema dentro do qual nascemos e dentro do qual, ao que tudo indica, iremos morrer. Eu, que passo meu tempo jogando pedra em seus telhados de vidro, não me recuso a elogiar-lhe a arquitetura.

Por exemplo: um sujeito comprou uma cidade. A cidade de Kitsault foi criada em meados dos anos 1960 no oeste do Canadá, quando a descoberta de molibdênio na região levou à criação de uma mina e à construção, por parte da empresa mineradora, de uma cidade para abrigar administradores e trabalhadores. Dois anos depois da cidade pronta, contudo, o preço do molibdênio caiu verticalmente no mercado internacional. A mina foi fechada; a cidade se esvaziou, e transformou-se numa espécie de cidade fantasma desde 1982.

Agora, apareceu um milionário que soube da sua existência e a comprou, passando um cheque de 5,7 milhões de dólares. Krishnan Suthanthiran nasceu na Índia e mora na região de Washington, onde negocia com terrenos e com implementos cirúrgicos. E é desses caras ricos que não resistem a uma pechincha. Afinal, trata-se de uma cidade prontinha, com 90 casas duplex e 7 prédios de apartamentos, além de um shopping, ginásio, piscina e instalações esportivas, fios elétricos e cabos telefônicos subterrâneos... Uma cidade pronta pra funcionar, só falta gente. As fotos lembram aqueles episódios de seriados de FC como Além da Imaginação ou Quinta Dimensão. Vejam em: http://www.niho.com/consulting/kitsaulthistory1.asp

Cidades antigamente eram criadas ao longo de séculos, as casas se erguendo uma a uma. Hoje, são construídas e desativadas num piscar de olhos, de acordo com as flutuações de mercado. Uma cidade era uma entidade complexa, produto de milhares de indivíduos. Hoje, é um objeto simples: “A” manda construir, “B” manda evacuar, “C” compra o que restou.

A simples possibilidade de um sujeito comprar uma cidade como alguém compra uma maquete tem algo de ficção científica. Me lembra uma história de Norman Spinrad, “A Thing of Beauty”, em que os EUA, falidos, começam a vender para o Japão, que se tornou a grande potência do mundo, tudo o que têm. O conto acompanha o encontro de um corretor novaiorquino que vende a um milionário japonês a Ponte do Brooklyn – ela mesma, para ser desmontada, transportada para o Japão, e remontada no jardim do novo proprietário. Existe uma profunda ironia zen nesta história, que fica menos FC e mais real a cada ano que passa.

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