Ele já foi chamado “o maior poema do século 20”, e embora eu seja inimigo declarado de conceitos como “o maior, o melhor, o mais importante” não se pode negar que é um texto utilíssimo para entender o sentimento apocalíptico e sombrio da civilização ocidental na década de 1920. “The Waste Land”, de T. S. Eliot (título que Paulo Leminski, brilhantemente, sugeriu traduzir por “Devastolândia”) é um poema que fala de ruína, vazio espiritual. Algumas de suas expressões viraram citações recorrentes: “Abril é o mais cruel dos meses”, “Beladonna, Lady of the Rocks”, “ó doce Tâmisa, flui devagar, até que eu encerre minha canção...” É um belo poema, embora crivado demais de citações poliglotas para meu gosto. Fico pensando como seria a tal versão original que, reza a lenda, Eliot mostrou a Ezra Pound, e na qual Pound meteu a caneta, reduzindo o poema à metade e dando-lhe sua forma atual.
Mas quem sou eu para gostar ou não gostar? Textos assim dão à literatura algo do mundo alucinatório das artes plásticas, onde quadros famosos (pense Da Vinci, Van Gogh, Picasso) são objeto de análises químicas, raios-X, tomografias computadorizadas. Recentemente, um professor de literatura chamado Lawrence Rainey decidiu reconstituir o processo de escritura de “The Waste Land”. Em 1971, foi localizado um maço de páginas do manuscrito original, e Rainey decidiu compará-las com outros documentos escritos por Eliot no mesmo período. Ele recorreu ao FBI, que lhe repassou técnicas de identificação de máquinas de escrever. Usou micrômetros para medir e comparar a espessura de cada folha do manuscrito, agrupando-as. Visitou 22 bibliotecas e coleções de documentos sobre Eliot durante dois anos. Examinou um total de 1.200 páginas originais, incluindo 638 páginas de cartas escritas por Eliot entre 1912 e 1922.
A conclusão final de Rainey é de que Eliot escreveu “The Waste Land” entre janeiro de 1921 e janeiro de 1922, e não escreveu seguindo um plano, mas improvisando fragmentos que depois foram cuidadosamente encaixados uns aos outros. (E cá pra nós, é justamente a impressão que o poema dá) Com isto, ele contesta a interpretação dos críticos da época de Eliot, de que o poema era fruto de um meticuloso planejamento.
O livro de Rainey, Revisiting The Waste Land saiu pela Yale University Press, e mostra o quanto o valor de uma obra literária se mede pela reação que desperta nos que a lêem. Borges dizia que um clássico é um texto que se lê “com prévio fervor e misteriosa lealdade”. Não vejo melhor exemplo disto do que empreitadas como a do Prof. Rainey, que tem algo do detalhismo de um Sherlock Holmes misturado à obstinação de um Champollion e ao irracional amor (perdoem o pleonasmo) desses fãs dos Beatles como Mark Lewisohn, capazes de ouvir e anotar milhares de quilômetros de fita magnética para reconstituir todos os “takes” não usados em cada canção de cada disco.
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