quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

0755) A palavra “instigante” (19.8.2005)



Existem palavras que entram na moda e tornam-se insuportáveis. Nos anos 1970, eram termos como “inserido no contexto”, que O Pasquim ridicularizou até não poder mais. Nos anos 1980, era o tal de “a nível de”, que, a nível de clichê, grudou mais do que um chiclete. E acho que começou nos anos 1990 a propagação virótica da palavra “instigante”, cujo surto até hoje não arrefeceu, pois focos de contaminação podem ser encontrados Brasil afora, incubados na população e transportados pela imprensa.

Manuseando o livro Caprichos & Relaxos de Paulo Leminski, leio na contracapa um texto de Caetano Veloso onde ele elogia o poeta curitibano e diz: “Deve ser instigante para os poetas do Brasil o aparecimento desses novos poetas todos. Leminski é um dos mais incríveis que apareceram”. E fiquei imaginando se seria este singelo texto (de 1983) o tal “Paciente Zero”, o caso isolado de onde toda a infecção se propagou. É provável que não seja, mas a idéia me ocorreu por se tratar de um texto de Caetano, que, como todo mundo sabe, é um notório criador de modas no Brasil. Toda vez que ele percute algo o País fica repercutindo por anos a fio.

Por que esta palavra grudou tanto? Sem dúvida porque é uma palavra útil. Quando dizemos que algo é instigante, queremos dizer que aquilo não nos deixa indiferentes. Instigar é provocar, inquietar, desassosegar, cutucar... Autores ou obras que fazem isto com a gente têm importância porque chamam a nossa atenção, nossa curiosidade, e nos obrigam a considerá-las de uma maneira mais séria, avaliar, analisar, tomar posição. Aquilo que nos instiga tem o poder de sacudir o nosso marasmo mental, a nossa preguiça, e de nos despertar um certo entusiasmo, até mesmo esse entusiasmo é motivado pela irritação, pela vontade de discordar daquilo que foi dito.

Sinônimos não faltam: “desafiador”, “provocativo”, “sugestivo”, “que dá o que pensar”, “bom de discutir”, “rico em idéias”, “perturbador”, “estimulante”... Sinto-me tentado a sugerir, para substituir “instigante”, a palavra “provocante”, mas é uma palavra vinculada a certo tipo de roupas femininas: “Essa secretária usa umas roupas muito provocantes, a gente não consegue se concentrar no trabalho”. De um livro ou de um autor talvez se possa dizer que são “provocativos”, embora este outro termo tenha um componente de desafio, de quem quer brigar com o outro. Talvez se pudesse dizer, então, que o livro de Leminski ou o CD de Caetano são “estimulantes”, porque nos estimulam à discussão, ao debate, à produção de idéias. Mas o adjetivo “estimulante”, por sua vez, está contaminado pelo substantivo correspondente, que dá a idéia de drogas ou de xaropes para abrir o apetite. Como se vê, muitas vezes uma palavra entra na moda por falta de um sinônimo que preencha todas as suas nuances, um sinônimo que na mesma fração de segundo estimule a mesma rede de sinapses vocabulares.

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