segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

0744) Crítica, resenha e “relise” (6.8.2005)




(ilustração: Pascal Doury)

Quem comenta livros em revista ou em jornal é geralmente chamado de “crítico literário”. Pode até ser, mas a gente deveria usar estes termos com uma certa parcimônia.

O que se publica em jornal e em revistas de interesse geral, não-especializado, é resenha, não é crítica. São coisas diferentes. Crítica pressupõe um exame minucioso do texto: seu tema, as técnicas narrativas que emprega, as linguagens que utiliza, a relação triangular que estabelece com o Leitor e com a Literatura... Tudo isto requer um certo espaço, até para que o crítico possa fazer numerosas citações do texto, comprovando o que diz.

Já a resenha é um texto breve, e seu objetivo não é examinar e julgar o texto, mas descrevê-lo e dar uma idéia objetiva do que se trata, para que o leitor decida se o livro lhe interessa ou não.

O problema é que grande parte das assim-chamadas “resenhas” que aparecem na imprensa são na verdade cópias disfarçadas dos “press-releases” (os famosos “relises”) distribuídos pelas editoras, textos em que a obra é descrita, e efusivamente elogiada.

Como sou jornalista e escritor, recebo grande número de “relises” desse tipo (por correio ou por email), e vejo com freqüência esses textos sendo republicados em jornal, tintim por tintim. Eu mesmo já redigi dezenas de “relises” para livros ou discos (é um trabalho que paga bem); esses “relises” são assinados, mas numerosas vezes já vi meu texto reproduzido na íntegra, num jornal de alguma parte do Brasil, assinado pelo crítico local.

Isto me incomoda? Nem um pouco. Só aceito fazer “relises” dos trabalhos de que gosto, e os aproveito para fazer circular minha opinião sobre eles; em casos assim, autoria é o que menos importa.

A resenha deveria ser um meio-termo entre a crítica (que tende a ser objetiva, científica) e o “relise” (que é um elogio remunerado). Numa coluna como esta aqui, por exemplo, não se tem espaço (nem tempo, por ser um trabalho diário) para fazer crítica séria, nem de literatura, nem de música, nem de cinema. O que se pode fazer (e eu tento) é dar uma idéia do que é a obra.

Eu prefiro não perder tempo criticando livros de que não gostei. Geralmente não gosto porque não me identifico, mas imagino que aquele livro tem seu público, seus leitores, e não me cabe negar-lhes o direito de gostar de algo. É muito difícil aparecer um livro realmente ruim, mau, maligno, um livro que faça a gente se sentir na obrigação moral de gritar à Humanidade: “Afastem-se dele! Não o toquem!” Quando não gosto, jogo prum lado e vou ler outra coisa.

A resenha é uma tentativa de indicar, para os leitores que por acaso se identifiquem com as minhas preferências, livros que talvez lhes agradem. Toda resenha tem algum elemento de crítica, e toda resenha elogiosa tem algo de “relise”. Mas não devemos perder de vista que são três coisas diferentes: análise literária (a crítica), jornalismo cultural (a resenha) e publicidade (o “relise”).








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