segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

0743) O robô no camelo (5.8.2005)



Um robô vai montado num camelo, percorrendo as areias do deserto... A imagem parece uma mistura de Guerra nas Estrelas com Lawrence da Arábia, mas na verdade bateu nos meus olhos no saite da revista New Scientist. Não é um delírio spielberguiano, é uma competição de verdade que tem lugar nos Emirados Árabes, sem dúvida uma das regiões mais ciencificcionais deste imprevisível planeta. Perto das cenografias e das arquiteturas que xeiques milionários estão criando em Dubai, os filmes de George Lucas ficam parecendo o neo-realismo italiano.

A corrida de camelos está, para aqueles povos que têm sangue de beduínos nômades, como a vaquejada está para os nordestinos. O sujeito fica rico, intelectual, cosmopolita... mas continua gostando. Existem trilhas criadas especificamente para isto, existem festas equivalentes aos nossos rodeios e festas-de-peão. As corridas se dão de preferência nos meses de inverno, entre outubro e abril. Nos últimos anos, a tal da civilização começou a meter o bedelho. Organizações humanitárias passaram a protestar contra o uso de crianças como jóqueis nas corridas de camelos. As crianças eram submetidas a um treinamente severo, jejum, uma porção de maus-tratos que a revista prefere omitir. Providências foram tomadas. Jóqueis de camelos desde março de 2004 têm que ter uma idade mínima de dezesseis anos, e este limite foi aumentado para dezoito em julho de 2005.

Todo este cerca-lorenço é só para apresentar a teoria que me interessa, caro leitor. E que é a seguinte: “Se a gente gosta de fazer uma coisa, e a lei disser que é proibido fazer isto a seres humanos, basta substituir estes seres humanos por criaturas artificiais, e continuar fazendo.” Dê asas à sua imaginação – e pense numa providência providencial! O uso de robôs como jóqueis dos camelos começou neste mês de julho, e mereceu do xeique Mansour bin Zayed al-Nahyan, que é uma espécie de Ministro da Casa Civil dos Emirados Árabes, o comentário: “Foi um tremendo sucesso, e esta fase que se inicia irá testemunhar um enorme avanço neste esporte indispensável ao nosso país”. Os novos jóqueis, movidos a controle remoto, são fabricados por uma empresa suíça, e custam 5.500 dólares cada.

A ficção científica desembarca no mundo real quando se juntam três coisas: imaginação, tecnologia e grana. Não que a FC seja privilégio dos ricos, mas a produção tecnológica exige em geral pesados investimentos que os dólares petrolíferos, por exemplo, podem assumir sem estresse. Melhor esse dinheiro sendo gasto com vaquejadas inofensivas do que com mísseis inteligentes ou bombas de nêutrons. O mundo árabe é tão extremado e paradoxal quanto o Nordeste. Nele cabem tanto os palestinos que viram homens-bombas para matar israelenses quanto esses xeiques ricaços que gastam milhões com corridas de robôs. Eu entendo o desespero daqueles; mas rezo para que o futuro se pareça com o mundo destes.

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