sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

0710) O império da lambada (28.6.2005)


(Flávio José)

Estive em Campina Grande na abertura do São João, cheio de expectativa: ia haver um show de Flávio José, e eu até hoje nunca assisti um show ao vivo do grande forrozeiro. Nossas presenças no São João nunca coincidem: “quando eu ia ele voltava, quando eu voltava ele ia”. Cheguei ao Parque, desci, cruzei a pirâmide, mas quem disse que consegui chegar lá? Estava “duro de gente”, e nem consegui chegar perto da “catedral”, quanto mais do palco. Não me preocupei; fiquei tomando uma cerveja e ouvindo de longe. Mais do que o prazer de ver o show, experimentei o prazer de ver um São João como deveria ser – e muitas vezes não é.

Deixem-me repisar a mesma tecla que repiso aqui todo ano. Não gosto da música de bandas como Mastruz Com Leite, Calcinha Preta, Asa de Águia, Limão Com Mel e outras do mesmo naipe. É um tipo de lambada padronizada e repetitiva, boa de dançar, mas sem substância. Não peço a extinção dessa música; eles que se divirtam em paz, no canto deles. O que questiono é a presença dessas bandas (que já vem há anos, sistematicamente) no São João de Campina. Não têm nada a ver com forró, com São João. É o mesmo caso dos shows de música sertaneja paulista ou goiana. Anos atrás, a véspera do São João teve como atração principal um show de Zezé de Camargo e Luciano. É tão absurdo quanto fazer um baile de Carnaval e contratar os Rolling Stones, sob o pretexto de que são a maior banda do mundo.

Existe mercado e público, sim, para a música nordestina. Alguns dos shows com maior público que já vi no Parque do Povo foram shows dos Três do Nordeste, de Elino Julião, de Maciel Melo, de Marinês. A música nordestina trava uma batalha desigual em três frentes, contra três concorrentes: 1) a axé-music baiana e derivados; 2) a música sertaneja das duplas paulistas, mineiras e goianas; 3) o forró-lambada das bandas nordestinas que seguem o modelo avestruz-com-leite. É uma luta desigual porque cada um desses três adversários é na verdade uma “frente” com dezenas de cantores e grupos, tendo na retaguarda um impressionante exército de estações de rádio, patrocinadores de peso, e influência política. A música nordestina, de um modo geral, não tem estas armas. (Eu até dispensaria a influência política, que nunca traz boa coisa)

Recentemente, foi realizada no centro do Recife uma manifestação com dezenas de sanfoneiros, protestando contra a invasão do São João de Caruaru, onde (cito “O Globo”) “o que se viam no palco principal eram bandas totalmente descaracterizadas, com dançarinas seminuas”. Já vi essa mesma presepada no Parque do Povo. Mais uma vez – não tenho nada contra dançarinas seminuas, mas sou contra chamar a isto de forró ou trazê-las para uma festa junina. No show business, contudo, a gente sabe que é o dinheiro quem fala-no-centro. Campina e Caruaru, as cidades que mais defenderam o São João do Nordeste, não deveriam passar por essa vergonha diante do Brasil inteiro.

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