quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

0709) Jackson do Pandeiro: regional e pop (26.6.2005)




Muito mais do que Luiz Gonzaga, João do Vale, Ari Lobo, etc., Jackson do Pandeiro exibia duas faces em seu repertório. 

Havia uma face regional, com temas, situações e personagens típicos do Nordeste, e uma face que podemos chamar de “pop”, voltada para assuntos urbanos ou de um universo além-Nordeste, ou então denotando uma mentalidade, uma “atitude” como se diz hoje, que é mais típica da cultura urbana e cosmopolita.

Basta pegar, de um lado, canções que celebram o coco da praia nordestina (“Coco do Norte”) ou o batuque primitivo do sertão (“Êta Baião”) e compará-las com canções que mostram esse mesmo coco chegando aos ambientes sofisticados do Rio de Janeiro (“Coco Social”) e o clássico desafio bem-humorado do Davi nordestino contra o Golias norte-americano (“Chiclete com Banana”). 

Ou pegar uma canção como “Moxotó”, documentário poético das paisagens e da cultura do vaqueiro do sertão, e comparar com “Falso Toureiro”, uma aventura totalmente ficcional onde o vaqueiro se vê num tipo totalmente inesperado de desafio contra o touro.

A sátira bem-humorada à brabeza da mulher também vem com duas faces. Em “A mulher do Aníbal”, ele brinca com a nordestina braba que pega o pobre do Zé do Angá (ou “Zé do Hangar”, segundo algumas versões) e dá-lhe uma surra de deixar quase morto. 

Um reverso moderno e cosmopolita desta situação é “A mulher que virou homem”, onde a esposa do protagonista “foi pra Hollywood fazer uma operação” e volta dizendo “de hoje em diante meu nome é João”, e que “você me paga tudo que me fez”. A primeira canção parece um folheto de cordel; a segunda é uma história em quadrinhos.

O contraste de valores entre Nordeste e Rio fica bem claro noutra parelha de canções que mostram a “aclimatação” lenta e gradual do paraíba aos costumes cariocas. Em “Xote de Copacabana”, o paraíba se confessa desconcertado e até escandalizado com o que vê na praia: mulheres de biquíni, coisa e tal. 

Em “Falsa Patroa”, ele já está dando uma de esperto e se sai com desculpas tipicamente cariocas: “Doutor Delegado, eu não tive culpa... Foi a sua criada quem me convidou, dizendo que o apartamento era dela...”

Nenhum contraste me parece tão divisor-de-águas, no entanto, quanto o que podemos ver entre um daqueles forrós clássicos (“Forró em Limoeiro”, “Forró em Caruaru”), que descrevem o ambiente típico do forró nordestino, e a obra-prima de Rosil Cavalcanti “Forró na Gafieira”. 

Ali, o paraíba vai a uma gafieira em Jacarepaguá, perde a timidez e dá um show no salão: “Eu peguei logo uma escurinha, e mandei passo de coco que foi um chuá!” O dono da casa pede à orquestra que pare, vai no meio do salão, admirado, pede ao pau-de-arara que faça aquilo de novo, e ele encerra: “Falando assim, parece brincadeira: mas num instante a gafieira virou um forró!” 

Documento histórico da miscigenação cultural entre os coquistas nordestinos e os sambistas cariocas. Um romance que ainda espera para ser escrito.







Um comentário:

  1. PAULO HUMBERTO MOREIRA18 de maio de 2013 às 01:01

    Maravilha de texto!! Mostra a riqueza que é Jackson do Pandeiro - Patrono da Música Brasileira! Abs. PAULO HUMBERTO ( RIO DE JANEIRO, Mais precisamente Snata Teresa)

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