(Steven Spielberg)
Num mesmo dia me caíram sob os olhos dois episódios que colocam uma questão interessante da vida prática, questão que de vez em quando vai parar nos tribunais. Como sei que há pelo menos uma meia-dúzia de leitores desta coluna que são formados em Direito, talvez eles possam me trazer alguma luz sobre o assunto.
O primeiro caso diz respeito à possível venda do atacante Adriano, do Inter de Milão, por uma soma de cerca de 140 milhões de dólares. Nem vou discutir se o jogador vale isto tudo (se Adriano vale isto, quanto vale Ronaldinho Gaúcho? E Robinho? E Zidane? ). O detalhe é que Adriano pertencia originalmente ao Flamengo, o qual por contrato teria direito a 25% da venda do seu passe. Se esta transação agora proposta pelo Chelsea fosse realizada, o Fla botaria no bolso cerca de US$ 34 milhões. Acontece que anos atrás, na catastrófica gestão de Edmundo Santos Silva, o clube estava tão endividado que cedeu aquela percentagem do passe de Adriano em troca de 1 milhão e meio de dólares. (Se o Flamengo fosse um vampiro já tinha morrido, porque cada presidente que passa por lá enfia-lhe uma estaca no coração)
O segundo caso diz respeito ao nosso velho conhecido, o cineasta Steven Spielberg. Quando Spielberg era um jovem diretor desconhecido, seu primeiro curta, “Amblin” (1969) foi financiado por um cara chamado Dennis Hoffman. No contrato entre os dois, ficou estabelecido que Spielberg se obrigava a, em algum momento dos dez anos seguintes, dirigir um filme para Hoffman pelo salário de 25 mil dólares, e ceder-lhe também uma fatia dos lucros. Ora, seis anos depois Spielberg já era famoso no mundo inteiro com “Tubarão”, uma das maiores bilheteria de todos os tempos. Hoffman vivia telefonando: “Cadê meu filme?” E Spielberg tirando o corpo de banda: “Calma, não é bem assim, vamos rever essa história”.
Não sei como terminou, mas li estas duas notícias numa mesma tarde, e fiquei matutando. Spielberg entrou na justiça questionando seu contrato com Hoffman, dizendo que tinha mudado de idéia (não sei exatamente quais foram seus argumentos), e que não era besta de dirigir agora um filme naquelas condições. Será que o Flamengo poderia fazer o mesmo? Dizer que não gostou de ter cedido sua fatia no passe de Adriano, e querer seus 25% de volta?
Tudo em nosso mundo civilizado se baseia nos “contratos sociais”, explícitos ou implícitos, que fazemos uns com os outros. Contratos devem ser cumpridos, porque se não “valer o que está escrito” a civilização afunda. Mesmo assim... “Data venia”, nobres colegas: será que não é possível o cara voltar atrás num acordo, considerar que foi pressionado ou iludido, pedir de volta os direitos que ingenuamente cedeu num momento de aperto? Deve existir alguma interpretação jurídica que permita dar um passo atrás e dizer: “Peraí, vamos conversar de novo”. Socorram-me, nobres causídicos. De preferência, antes que o Inter venda Adriano.
No meu tempo, voltar atrás num acordo desses tinha outro nome. E não me venham os causídicos com mirabolantes formulações de direito, ou eu os coloco no mesmo balaio.
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