domingo, 14 de dezembro de 2008

0668) Grandes pequenas canções (10.5.2005)




Conversando, num grupo de amigos, sobre canções da MPB que marcaram época, falei: 

“Vejam o caso de Asa Branca, por exemplo. Não é uma grande canção, mas virou um símbolo, uma espécie de hino”. 

Foi o que bastou para que alguns se sentissem pessoalmente ofendidos. Como é que é -- “Asa Branca” não é uma grande canção? Senti o bafo das fogueiras da Inquisição, e apressei-me a fazer minha defesa.

Vejam bem: “Asa Branca” é de uma simplicidade musical franciscana. Baseia-se num tema folclórico, que Gonzagão apenas pegou e deu uma ajeitada. Muita gente idosa já me garantiu que conhecia aquela melodia muito antes de Gonzaga nascer. 

São uma meia dúzia de notas que se repetem em meia dúzia de versos, e não mais. Melodia de tal simplicidade que ainda hoje é a música preferida pelos jovens que se iniciam nos mistérios da flauta-doce ou da sanfona. Sem os versos de Humberto Teixeira, seria apenas um temazinho instrumental agradável.

O que fez “Asa Branca” foi uma combinação feliz de melodia acessível a todos, mas com uma ressonância atávica de profundas raízes no passado folclórico, somada a um poema vigoroso, de imagens simples e fortes, uma interpretação carismática, e acima de tudo, o momento histórico em que a música surgiu, e o impacto de novidade que trouxe a um mercado fonográfico estagnado e repetitivo.

Quando digo que não é “uma grande canção”, é porque ela está bem atrás de outras músicas do próprio Gonzaga, do ponto de vista musical e poético. Comparem a música de “Asa Branca” à música de “Que nem jiló” (“Se a gente lembra só por lembrar, o amor que um dia a gente perdeu...”) ou “Algodão” (“Bate a enxada no chão, limpa o pé do algodão...”). 

Estas são grandes canções do ponto de vista da técnica musical, canções que trazem em seu desenvolvimento melódico e harmônico uma proposta nova para a música nordestina.

“Asa Branca” é folclore puro, canção de estrofe única, sem sequer um refrão para intercalar. Nada tenho contra isto. Que conhece minhas composições sabe que este é meu modelo preferido de compor: canção de estrofe única, um bloco melódico que se repete recursivamente, mudando apenas a letra. É um formato clássico, tradicional, mas limitado. 

Se quiserem perceber a contribuição musical de Gonzaga, ouçam a sucessão de idéias melódicas em “Algodão”, vejam como cada fraseado parece emergir do anterior, novas idéias brotando a cada passo, sem se repetir.

Novidade musical, novidade poética, novidade na interpretação ou no arranjo, são elementos que isoladamente fazem boas canções. Quando estão todos presentes ao mesmo tempo, fazem grandes canções – do ponto de vista musical. Se esta grande canção vai se transformar numa obra importante ou não, é outra história. 

“A Volta da Asa Branca”, por exemplo, também é uma canção mais complexa, mais trabalhada e mais criativa do que “Asa Branca”. Com todo respeito a esta pequena canção, que a História transformou em grande Obra de Arte.







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