Certas experiências literárias, embora tenham lá sua importância, recebem uma valorização que às vezes acaba por atrapalhar uma leitura mais ampla, prejudicando a “chegada” do leitor à obra. Vou pegar como primeiro exemplo O Jogo da Amarelinha (Rayuela) de Julio Cortázar. Se for feita uma enquete por aí entre críticos e leitores, a grande maioria irá lembrar este romance como sendo aquele livro em que os capítulos devem ser lidos numa ordem diferente da ordem numérica. Cortázar propõe um sistema de leitura parecido com o próprio sistema do jogo da amarelinha (que na Paraíba chamamos de “academia” ou “cademia”), onde uma criança pula num pé só por entre os quadrados de um esquema desenhado no chão, impelindo com o pé uma pedrinha.
O autor sugere que a gente comece o livro pelo capítulo 73, depois leia o 1 e o 2, aí salte para o 116, volte para o 3, e assim por diante. Não é por mera excentricidade, ou pelo cacoete de ser diferente dos outros. O livro se organiza um pouco como um currículo universitário, que tem cadeiras obrigatórias e cadeiras optativas. Os capítulos de 1 a 56 seriam os obrigatórios, os que contam a história propriamente dita; os de número 57 a 155 são os capítulos optativos, que não modificam o enredo mas ajudam a enriquecer a história.
Infelizmente, este “gimmick” acabou se superpondo a tudo o mais no livro, o que é uma pena, pois provavelmente alguns leitores se sentem desconfortáveis com esses zig-zags, que imaginam muito mais complicado e incômodo do que é de fato. E com isto se afastam de um livro que tem imensas riquezas a oferecer. Rayuela é um desses romances sinfônicos em que se misturam diferentes histórias, diferentes vozes narrativas, diferentes visões-do-mundo, tudo construindo uma notável história de intelectuais argentinos exilados em Paris durante os anos 1950.
Um caso semelhante corre com Avalovara de Osman Lins, recentemente reeditado pela Companhia das Letras. Sob uma certa influência de Cortázar, mas obedecendo à sua própria índole estética, muito mais “construtivista” do que a do argentino, Osman Lins estruturou a leitura dos capítulos de seu livro em torno do deslocamento de uma espiral que gira no interior de um quadrado dividido em 25 quadrados menores, a cada qual corresponde uma letra. Para um leitor não-construtivista, um leitor que deseja apenas pegar um livro e lê-lo de A a Z, a perspectiva de encarar um livro assim deve ser atemorizante. Ele recua, e com isto está perdendo também um romance com imensa beleza estilística, uma múltipla e bela história de amor, e um retrato sutil do Brasil sob a ditadura militar.
Meu conselho: esqueçam os palíndromos, os zig-zags, o simbolismo gráfico e cabalístico. Ler estes livros pela sua história, seus personagens e sua voz narrativa é uma experiência enriquecedora, da qual não devemos nos privar pelo simples receio do desconforto de uma leitura não-linear.
O autor sugere que a gente comece o livro pelo capítulo 73, depois leia o 1 e o 2, aí salte para o 116, volte para o 3, e assim por diante. Não é por mera excentricidade, ou pelo cacoete de ser diferente dos outros. O livro se organiza um pouco como um currículo universitário, que tem cadeiras obrigatórias e cadeiras optativas. Os capítulos de 1 a 56 seriam os obrigatórios, os que contam a história propriamente dita; os de número 57 a 155 são os capítulos optativos, que não modificam o enredo mas ajudam a enriquecer a história.
Infelizmente, este “gimmick” acabou se superpondo a tudo o mais no livro, o que é uma pena, pois provavelmente alguns leitores se sentem desconfortáveis com esses zig-zags, que imaginam muito mais complicado e incômodo do que é de fato. E com isto se afastam de um livro que tem imensas riquezas a oferecer. Rayuela é um desses romances sinfônicos em que se misturam diferentes histórias, diferentes vozes narrativas, diferentes visões-do-mundo, tudo construindo uma notável história de intelectuais argentinos exilados em Paris durante os anos 1950.
Um caso semelhante corre com Avalovara de Osman Lins, recentemente reeditado pela Companhia das Letras. Sob uma certa influência de Cortázar, mas obedecendo à sua própria índole estética, muito mais “construtivista” do que a do argentino, Osman Lins estruturou a leitura dos capítulos de seu livro em torno do deslocamento de uma espiral que gira no interior de um quadrado dividido em 25 quadrados menores, a cada qual corresponde uma letra. Para um leitor não-construtivista, um leitor que deseja apenas pegar um livro e lê-lo de A a Z, a perspectiva de encarar um livro assim deve ser atemorizante. Ele recua, e com isto está perdendo também um romance com imensa beleza estilística, uma múltipla e bela história de amor, e um retrato sutil do Brasil sob a ditadura militar.
Meu conselho: esqueçam os palíndromos, os zig-zags, o simbolismo gráfico e cabalístico. Ler estes livros pela sua história, seus personagens e sua voz narrativa é uma experiência enriquecedora, da qual não devemos nos privar pelo simples receio do desconforto de uma leitura não-linear.
Sugestão anotada. Lendo seu post, lembrei-me do livro de Ítalo Calvino, O Castelo dos Destinos Cruzados. Uma experiência narrativa bem diferente, por isso mesmo, muito boa.
ResponderExcluir