quarta-feira, 19 de novembro de 2008

0642) Os aventureiros e os exploradores (9.4.2005)


(O Flâneur)

Num prefácio a um romance de Arthur Machen, David Trotter vê a literatura policial inglesa do século 19, como outros a viram antes dele, como um produto da vida nas grandes cidades, da efervescência social urbana, que gera não apenas o crime, mas todo o entrecruzamento de ações, motivações e interesses ocultos que cabe a um detetive deslindar, para entender o Quem, o Como e o Por Quê de um crime. O detetive é alguém que percorre a cidade, mistura-se a todas as classes, entende como pensam e como agem, é capaz de interpretar todos os sinais da mecânica social que vê à sua volta.

Trotter faz uma comparação interessante entre o detetive e o “flâneur”, o caminhante despreocupado, tipo criado por Baudelaire para definir o homem urbano sofisticado, culto, dotado de sensibilidade poética e de curiosidade insaciável. Para Baudelaire, cabia ao poeta e ao “flâneur” a tarefa de “registrar o surgimento da modernidade nas ruas da metrópole”. Trotter vê no detetive alguém que vai um pouco mais longe: “O flâneur quer apenas observar e ser observado. Ele não se propõe a fazer o que quer que seja com as informações que reúne. Ele se detém no umbral do significado, constantemente instigado a pensar, mas não querendo, ou não podendo, transformar esse seu pensamento em ação”. O contrário disto é o detetive, conforme se auto-descreve um personagem de “The Dynamiter” de Robert L. Stevenson: “Aqui, todas as nossas qualidades importam. Nosso comportamento, nosso conhecimento do mundo, talento para a conversação, vastas quantidades de informações dispersas, tudo que somos e possuímos vem se somar para compor o caráter de um detetive. Esta é, para resumir, a única profissão indicada para um cavalheiro”.

Esta pequena, sutil e essencial distinção é equivalente à que li há pouco tempo numa entrevista do espeleólogo Bill Stone para a revista Wired. Stone é engenheiro, inventor, e sua ocupação principal é explorar cavernas subterrâneas, muitas delas cheias dágua. Nadar num lago a 1.500 metros de profundidade, na treva total, sem saber o que há do outro lado, faz parte do dia-a-dia dele. Stone já perdeu 16 colegas nestas expedições e em pelo menos sete casos teve que resgatar seus corpos pessoalmente.

Stone diz ao entrevistador que não se considera um aventureiro, e sim um Explorador. A diferença, diz, ele, reside numa única palavra: Informação. “Se você não volta da aventura trazendo dados, não fez nada”, diz ele. “É uma simples façanha. Uma simples história para contar. Mas você não realizou nada”. O Detetive nos nebulosos anos 1850 exprimia um novo tipo de relação entre o Homem e sua Cidade, mas o Explorador nestes anos 2000 mostra que esta é a antiqüíssima relação entre o Homem e seu Universo. O Explorador é aquele que arrisca a vida para descobrir um continente, descobrir a nascente de um rio, trazer uma pedra da Lua. E o que ele busca não é continente, rio ou pedra: busca o Conhecimento.

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