O ponto do ônibus da Prata, que nos levava todas as noites para as aulas no “Gigantão” era junto ao prédio do Correio, naquele trecho da calçada hoje cheio de fiteiros e barracas.
A época a que estou me referindo é 1967, quando comecei o Curso Clássico e entrei para o turno da noite. A aula começava às 19:00, de modo que a partir das 18:30 aquilo já ficava intransitável de tanta gente fardada.
Me lembro como se fosse hoje da farda das meninas, que era uma blusa branca de manga curtas, com o monograma do colégio bordado em verde, no bolso; as saias eram cáqui, pregueadas, com fitas verdes ao longo da barra, e foi essa a época em que começaram a subir, segundo a lei de Mary Quant, que fez mais pela nossa vida sexual do que Fritz Kahn e o Padre João Mohana juntos.
O ônibus saía do Correio e virava à direita na Getúlio Vargas, descia pela frente do antigo Cine Avenida, virava à esquerda na Nilo Peçanha. O primeiro ponto de descida era na esquina em frente à Igreja do Rosário. Os pontos correspondiam aos três portões de entrada do Colégio, situados ao longo de dois quarteirões inteiros.
Depois que descarregava os alunos, o ônibus enchia com os que estavam voltando para o centro, e seguia rumo à Rua da Independência, onde virava à esquerda e descia até a Praça do Trabalho, passava em frente ao Cine São José e descia para o balde do Açude Novo.
Ali, não me lembro se subia a 13 de maio, ou se já virava à esquerda para subir pela Floriano Peixoto até em frente ao Capitólio, onde rodeava a Praça da Bandeira e encerrava a “circular” na calçada do Correio.
O interior do ônibus era uma versão eufórica do caos. A cada curva, todos os corpos masculinos, de acordo com a Lei de Isaac Newton, eram pressionados de encontro aos corpos femininos. Quem estava sentado empilhava no colo bolsas, pastas, pranchetas e livros de quem estava por perto. Descidas e freadas bruscas eram saudadas com gritos de provocação: “Tira o pé do bolso, motorista!” “Motorista, bateram minha carteira!” Havia um motorista chamado Taba Lascada que era alvo permanente de gozação.
Quem sofria muito também era o cobrador. Naquele tempo não havia roleta, o cobrador andava pelo ônibus recebendo o pagamento e dando uma senha como comprovante, senha que ele destacava de um talãozinho que trazia na mão. Era um sistema de controle, convenhamos, fadado a uma rápida extinção, porque ninguém colocava a senha na urnazinha ao sair, e todo mundo brandia uma senha velha: “Oxente, rapaz! Já paguei!”
O cobrador tinha que se esgueirar entre os corpos de todos, empurrar, meter o cotovelo, firmar-se do melhor jeito possível enquanto recebia o dinheiro e passava troco. Ele pegava as notas, dobrava-as ao meio do sentido do comprimento, e as prendia entre os dedos. Jean-Luc Godard, em viagem ao Rio nos anos 1950, encantou-se com este detalhe nos ônibus cariocas.
Eu olhava para aquilo sem prestar atenção, achando que ia durar para sempre.
Bráulio, lembro das histórias do teu contemporâneo, Marcos Agra, comentando por diversas vezes como o ônibus andava apinhado de estudantes e o roteiro de maior emoção era na volta para casa, quando em velocidade "virava à esquerda para subir pela Floriano Peixoto até em frente ao Capitólio, onde rodeava a Praça da Bandeira e encerrava a “circular” na calçada do Correio."
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