terça-feira, 22 de julho de 2008

0455) O momento de decisão (3.9.2004)



Ainda emocionado pela medalha de ouro do time de vôlei, voltei a ligar a TV durante a tarde para pegar o finalzinho da Maratona. Gosto de maratonas e de corridas-de-São-Silvestre, mais do que das provas de velocidade. Gosto desses esforços do tipo devagar-e-sempre, se bem que devagar não é bem o termo. Não me identifico muito com a explosão do “sprinter” que faz 100 metros em 10 segundos. Gosto mais do cara que é capaz de sustentar uma teimosia durante quarenta quilômetros, cinqüenta anos, esse tipo de coisa.

Surpresa! Quem está liderando é um brasileiro, Vanderlei Cordeiro de Lima. Lá vem ele, deixando para trás um pelotão de fundistas, inclusive aquele crioulo magro, o queniano Paul Tergat, que já conheço de outros reveions. Vanderlei vem com 40 segundos de vantagem! Fico aos pulos por dentro de casa. Já pensou? A gente encerrar a Olimpíada ganhando o ouro na Maratona, a prova mais tradicional de todas?

De repente... que é isso? Um sujeito maluco, fantasiado, invade o asfalto, abraça Vanderlei, empurra-o para fora da pista, derruba-o na calçada, no meio da multidão! Há um tumulto generalizado. As câmaras da TV se aproximam. Guardas e fiscais da prova estão tendo trabalho para separar os dois. Vanderlei está possesso: “Como é que pode! O cara me tirou da pista! Eu ia ganhar a prova!” Os fiscais, atarantados, falam nos walkie-talkies. Vejo flashes rápidos do público que espera no Estádio Panathinaiko, a consternação de todos ao contemplar pelo telão o enorme “salseiro” armado em torno da briga. Outros corredores perdem um tempo precioso tentando varar a multidão, que invadiu a pista. Minutos depois já temos flashes das autoridades do COB exigindo a anulação da prova – que aliás acabou sendo interrompida mesmo, devido ao tumulto. Aparece um novo flash com Vanderlei. Ele está nervoso, revoltado: “Eu ia ganhar. Todo mundo viu que eu vinha na frente. Não ganhei por causa do cara. Quero minha medalha!”

Não foi bem assim, não é, caro leitor? O mundo inteiro viu que Vanderlei perdeu uns 15 segundos desvencilhando-se do maluco, e voltou à corrida. Ele poderia perfeitamente ter “armado o maior barraco”, convocado testemunhas, chamado os advogados, pressionado o Comitê para que lhe desse ali mesmo a medalha, e mais uma polpuda indenização-por-danos-morais-e-materiais. Conheço uma porção de “desportistas” que fariam exatamente isto. Vanderlei, não. Perdeu tempo, perdeu pressão, e ficou meio desorientado – tanto que acabou ultrapassado pelos dois corredores que chegaram à sua frente; mas não parou, e creio que nem pensou em parar. Espírito olímpico? Bravura? Patriotismo? Acho que não. Acho que Vanderlei é acima de tudo um maratonista, e a lei do maratonista, menos do que chegar em primeiro, é mostrar que consegue completar a prova. Vanderlei tomou a decisão certa, na fração de segundo que teve para decidir. Que os deuses da Grécia o abençoem. E nos iluminem com seu exemplo.

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