quinta-feira, 17 de julho de 2008

0446) O robô e o corpo-objeto (24.8.2004)



Um robô é uma criatura metálica, de forma vagamente humana. Um clone é um ser humano normal, criado em laboratório a partir de células de um único indivíduo. Um andróide é uma criatura artificial (pele e ossos sintéticos, cérebro eletrônico) que por fora parece idêntica a uma pessoa. Um cyborg é um misto de ser humano e robô; em geral, um ser humano com próteses enxertadas (neste sentido, o pirata com olho de vidro, mão de gancho e perna de pau é um proto-cyborg).

A verdade é que todos nós estamos nos transformando em cyborgs, desde o sujeito idoso que usa uma dentadura postiça até as pessoas que precisam recorrer a membros mecânicos, marca-passos cardíacos e máquinas de hemodiálise. Conheço várias pessoas que não podem funcionar ou sobreviver sem a porção-máquina que possuem.

No filme Eu, robô de Alex Proyas os robôs são programados para tarefas manuais ou repetitivas: trabalhos domésticos, coleta do lixo, transporte de encomendas, etc. Exercem o papel tradicional de “escravos cibernéticos” que a ficção científica sempre lhes designou. Parece que temos um software antropológico embutido em nossa cultura, e devido a ele precisamos sempre de escravos mansos, obedientes e estóicos para fazer os trabalhos que desprezamos ou que nos cansam demais. O robô é o escravo no futuro politicamente correto.

A série de contos sobre robôs de Isaac Asimov tem como personagem principal a doutora Susan Calvin, a cientista mais assexuada da história da ficção científica. No filme, Bridget Moynahan a interpreta de modo muito próximo à concepção de Asimov. Há uma cena, contudo, que pode ser considerada a única cena erótica do filme, quando ela vai ao apartamento do detetive Spooner (Will Smith) e ele lhe confessa que possui um braço mecânico. Ela pede para tocá-lo, e ele concorda. Ela apalpa sua mão, seu antebraço, o braço, o ombro, as costelas... Ao tocar numa das costelas, ele se retrai um pouco e diz: “Ooops, aqui já sou eu.” É uma cena perversamente erótica, e é pena que o filme não pudesse ou não quisesse explorar mais essa área (afinal, ele se destinava ao público adolescente e não podia correr o risco de uma censura por faixa etária).

O fato de que a dra. Calvin, tão puritana, excita-se sexualmente com robôs nunca foi tão bem ilustrado, com o dado adicional de ela ser branca e o policial-cyborg ser negro. Ademais, a erotização das próteses corporais tem uma longa história. A perna mecânica de Catherine Deneuve em Tristana (Buñuel) é um objeto de desejo que ilustra essa fascinação fetichista pelo corpo-objeto, o corpo-coisa, tratado como um instrumento de prazer e nada mais. As andróides de Blade Runner são criadas como objetos sexuais, assim como o robô-gigolô de Inteligência Artificial. Por trás disso jazem fantasias eróticas como a do criador que se apaixona pela criatura (o mito grego de Pigmalião e Galatéia) e a da submissão total da pessoa amada.

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