domingo, 13 de julho de 2008

0442) O aleph da Rua Brasil (19.8.2004)




“O Aleph” é um dos contos mais famosos de Jorge Luís Borges, e título de um de seus livros mais vendidos. É um dos contos mais dissecados e discutidos pela crítica no final do século 20. 

Embora tenha sido publicado em 1949, só veio a se tornar famoso da década de 1970 em diante, quando a ironia do Destino concedeu a Borges, já velho e cego, a glória com que sonhara na juventude. 

O narrador de “O Aleph” descobre, após a morte da mulher que amava (sem ser correspondido), que no porão da casa em que ela vivia, num bairro de Buenos Aires, existia um ponto luminoso no espaço no qual era possível contemplar todos os pontos do Universo. É o aleph, o objeto numinoso indicado pela letra com que o matemático George Cantor designava os conjuntos transfinitos (aqueles cujas partes são iguais ao Todo).

Em suas entrevistas, Borges costumava lembrar o jornalista espanhol que insistiu em fazer uma matéria sobre “a casa em Buenos Aires onde havia um pequeno disco resplandecente onde estava todo o Universo”. Borges explicou que se tratava de um conto fantástico, e que se um tal objeto existisse toda a nossa ciência estaria de pernas para o ar. 

O jornalista insistia: “Mas o sr. citou até a rua onde ele está situado...” No conto de Borges, a casa da família de Beatriz Viterbo, sua amada inatingível, fica na Rua Garay, no bairro de Constitución.




Recentemente folheei o livro Borges à Contraluz, da escritora argentina Estela Canto (Ed. Iluminuras, 1991), a qual foi namorada de Borges durante um período crucial da vida do autor. É a ela que está dedicado o conto “O Aleph”, e alguns documentos que ela anexa ao seu texto lançam uma luz curiosa sobre a sua criação. 

Borges e Estela tinham o costume de fazer longas caminhadas a pé nas noites tranqüilas da Buenos Aires de 1940, e iam até o bairro Constitución e o Parque Lezama, que ao que parece (não conheço Buenos Aires) fica perto da Rua Brasil. 

Num bilhete de fevereiro de 1945, Borges escreveu para Estela: “Esta semana concluirei o rascunho da história que gostaria de te dedicar: a de um lugar (na rua Brasil) onde estão todos os lugares do mundo.” 

A própria Estela, em seu livro, comenta: “Os místicos contam experiências em que se transcende, por um momento, a carne. Em ´O Aleph´, nesse porão de uma casa da rua Brasil, o autor transcende a carne.” 

Borges teria mudado de idéia? A Rua Brasil teria mudado de nome e virado Rua Garay? É um detalhe curioso. Na entrevista em que cita o crédulo jornalista de Madri, Borges comenta: “Enfim, que dificuldade pode haver em se inventar uma rua e um número? Me lembro que escrevi Rua Garay como poderia ter escrito Rua Chile ou Rua México...” 

O bilhete de 1945, contudo, mostra que a primeira rua onde ele ambientou o conto era a Rua Brasil, que teria algum significado nostálgico na sua história pessoal com Estela Canto. 

Por um triz o Brasil não ficou famoso!




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