(Erik Desmazieres: "Ville Imaginaire")
Ontem referi minha descoberta do livro São Paulo no Anno 2000 de Godofredo E. Barnsley (1909), romance utópico escrito pelo filho de um ex-soldado Confederado que veio morar no Brasil após a derrota do Sul na Guerra Civil americana. O livro é uma prefiguração do que nossa maior cidade poderia vir a ser no futuro, se corretamente administrada. A literatura utópica não foi muito praticado em nosso país, o que só faz aumentar a importância história de livros como este e como Sua Excia. a Presidente da República no ano 2.500 de Adalzira Bittencourt (1929), O reino de Kiato de Rodolpho Teophilo (1922) e outros. Estas obras são analisadas em detalhe no livro fundamental de Roberto de Sousa Causo Ficção Científica, Fantasia e Horror no Brasil – 1875 a 1950 (Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003). O livro de Barnsley, contudo, é uma obra rara, difícil de obter até nas bibliotecas universitárias dos EUA; o exemplar que li é da Biblioteca Nacional, no Rio.
São Paulo no Anno 2000 é claramente o livro de um indivíduo culto e que tem idéias muito firmes sobre o que precisaria ser feito para que o mundo fosse um lugar decente de se viver. Indivíduos com este perfil são os grandes autores de romances utópicos como os que provavelmente serviram de inspiração e modelo a Barnsley: Looking Backward: 2000-1887 de Edward Bellamy (1888) e News from Nowhere (1890) de William Morris. Nestes dois livros, como no de Barnsley, os protagonistas adormecem no presente e acordam no futuro. Diz o narrador de São Paulo no Anno 2000, descrevendo como adormeceu numa praça no centro da cidade: “A candura, a benignidade, o socego daquelles sitios produziu em mim um suave torpor e, fechando-me os olhos ao mundo das realidades, apresentou-me um outro mundo inteiramente imaginario, povoado de visões maravilhosas. Pouco a pouco, insensivelmente, o scenario, as arvores, as cousas, foram-se transfigurando, como nas fitas cynematographycas.” O próprio narrador se compara a Rip van Winkle, o personagem de Washington Irving que também dorme durante um século.
Alguém perguntará: que importância pode ter um livro de quase cem anos atrás, e que não é, como eu próprio afirmei ontem, de grande valor literário? A resposta é simples. Arte literária não é tudo na vida dos livros. Livros valem também por serem documentos involuntários de uma época. Escritos para os homens do seu tempo, muitas vezes só são corretamente avaliados por leitores de muitos anos depois. Às vezes pretendem ser obras de arte e não o conseguem, mas ainda assim não deixam de ter valor histórico, sociológico, antropológico. Eles nos dizem como as pessoas dessa época pensavam, como avaliavam a sociedade em que viviam, quais os seus parâmetros, quais as suas aspirações. Intenções à parte, muitas vezes eles, atirando no que vêem, acertam, cem anos depois, no que não sabiam que tinham visto.
É muito prazeroso imaginar como serão as coisas daqui a X anos. Eu comecei a escrever algo nesse rumo, e estava bem satisfeito com minhas primeiras idéias imaginativas. Mas um contratempo me fez parar o trabalho recém-iniciado.
ResponderExcluirMesmo assim, ainda faz parte da lista de temas sobre os quais desejo escrever.
A minha idéia seria de uma trama de suspense e crimes, totalmente relacionada com a Internet do futuro, e ambientada em 2069. Minha protagonista seria uma repórter e haveria alguns personagens interligados, como um policial e um jovem usuário de drogas. Importante: O Google seria a empresa mais poderosa do mundo, nos mais diversos setores. Hehehehe.
Quem sabe um dia eu volte a este trabalho?
Mas essa idéia de "dormir e acordar no futuro" é mesmo recorrente na Literatura de Ficção Científica. Curiosamente, tenho uma antiga história do Mickey com essa proposta, talvez inspirada em algum desses clássicos. ^^