quinta-feira, 26 de junho de 2008

0425) Os “racconti” de Luis Fernando Borgerth (30.7.2004)

(Fernando Borgerth,
"Cinturão de Asteróides")


Alguns artistas plásticos se impõem à nossa imaginação pelo uso das formas, outros pela pesquisa de texturas, outros pela coerência cromática... Não prolongarei esta desnecessária enumeração. Prefiro dizer que tenho uma curiosidade especial pelos artistas cujas obras mostram uma dimensão que chamarei de “literária” à falta de um termo melhor. São “literárias” porque parecem contar uma história, parecem mostrar algo que aconteceu há poucos instantes ou que está a ponto de acontecer, parecem nos dar entrada num universo de lugares e criaturas muito distintos do nosso. Artistas cuja matéria prima são os seres e os eventos de um espaço-tempo vizinho ao nosso, mas puramente imaginário.

No carioca (radicado em Belo Horizonte) Luiz Fernando Borgerth existe esta coerência obsessiva, que se espalha por um espaço pictórico aparentemente inesgotável. A maioria dos seus quadros mostra cenas da vida cotidiana num mundo que, pela arquitetura, pelas roupas, lembra uma Europa medieval; parecem ilustrações de contos de Boccaccio, mas um Boccaccio dotado de um olho tão esperto e contemporâneo quanto um Ítalo Calvino. No catálogo da exposição individual que acontece em Belo Horizonte até 30 de julho, Eulalia Jorda-Poblet lembra os nomes de Bosch e Brueghel, e de fato o trabalho de Borgerth tem em comum com o destes o uso de um espaço amplo com dezenas de personagens que, em grupos de três ou quatro, dedicam-se a ações distintas, como que compondo mini-quadros dentro do quadro maior.

Só que Bosch e Brueghel, diz ela, são pintores invadidos por um senso de ameaça e de pecado ausente dos quadros de Borgerth. Obras como “Em Cinemascope” (2003), cheia de mulheres seminuas e de gente bebendo, ou “Folhagens” (2004), um matagal repleto de fadinhas igualmente nuas e álacres, podem evocar o “Jardim das Delícias” boschiano, mas o espírito que os governa parece mais próximo da inocência de certas visões de Chagall ou de Paul Klee, um olho meio infantil, ainda não corrompido pelo mundo, e que se dedica ao traço com a aplicação de um pré-adolescente.

Falei em conteúdo literário, e não sei por que me vêm à mente as “Fábulas Italianas” de Calvino, contos folclóricos recontados pelo escritor; ou os contos de Ray Bradbury sobre as cidadezinhas do interior onde basta chegar um circo ou um parque-de-diversões para que coisas extraordinárias comecem a acontecer. Há algo de histórias-em-quadrinhos nestes pequenos quadros (quase todos acrílico sobre tela, com cerca de 30x40cm), há algo dos anacronismos propositais de Moebius, algo das aparentes incongruências de Lewis Carroll... Imagens (infelizmente pequenas) dos trabalhos de Borgerth podem ser vistas em: http://www.murilocastro.com.br/expo/expo.php?expo=10. São pequenas polaróides de um mundo onde algo extraordinário está acontecendo, e se olharmos para elas por bastante tempo acabaremos nos transportando para lá e descobrindo o que é.

Um comentário:

  1. Braulio, excelente seu blog. Parabéns. Essa postagem sobre o Borgerth então, sensacional. Você como poucos apresentou um ponto de vista interessantíssimo. Tomei a liberdade de citar seu blog numa postagem sobre uma das obras deste grande artista que tenho a felicidade de tê-la. Espero que não se importe. Obrigado e parabéns. Alexandre (www.pelomelhordavida.blogspot.com)

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