terça-feira, 24 de junho de 2008

0422) Refilmagens (27.7.2004)



Em geral, por puro e simples preconceito, eu me recuso a ver as refilmagens que o cinema americano faz de filmes estrangeiros. Besteira minha. Não existe coisa melhor do que isto para nos mostrar o que é a indústria cultura norte-americana, mas mostrar mesmo, pra valer, com a riqueza de detalhes de um quadro de Renoir e a frieza clínica de uma tomografia computadorizada. A maioria dessas refilmagens se deve a um gesto mental típico do produtor e comerciante hábil: o sujeito vê um concorrente fazendo algo de uma maneira que ele considera meio desajeitada, meio amadorística, e pensa de imediato: “Mas que cara burro. Eu posso fazer isso muito melhor do que ele, e ganhar muito mais grana.” Surgem então as refilmagens que querem açambarcar a idéia básica do filme original, e dar-lhe um tratamento que (acham eles) vai ser mais adequado ao gosto do público americano.

Surgem assim refilmagens como Kiss me goodbye de Robert Mulligan, que reaproveita a idéia de Dona Flor e seus Dois Maridos, ou Três solteirões e um bebê, baseado no sucesso francês Trois hommes et un couffin. Um dos exemplos mais conhecidos é o thriller francês La femme Nikita de Luc Besson, rapidamente refeito nos EUA com Bridget Fonda, sob o título Point of no return. Quando essas coisas se dão no interior do cinemão comercial, tudo bem, porque na verdade eu até hoje não distingo um hamburger do Bob´s de um do MacDonald´s. O problema é quando pegam os clássicos do cinema. Até hoje recusei-me a ver Breathless, a refilmagem do Acossado de Godard, como também Willie & Phil de Paul Mazursky, que não é outra coisa senão um “remake” do clássico Jules et Jim de Truffaut.

Em princípio, nada contra. Quando não se conhece o filme original, aceita-se a refilmagem com o mesmo prazer com que aceitei Vanilla Sky de Cameron Crowe (aquele em que Tom Cruise fica desfigurado num acidente de carro e daí em diante nem ele nem nós sabemos mais se o mundo é real ou não), porque não cheguei a ver Abre los Ojos, o original espanhol. O problema é quando se pega um filme de verdade, arranca-se dele a carne, a alma, a substância, e enfia-se ali uma trinca de atores em evidência, e um fio de enredo que só se parece com o original quando é resumido em duas ou três linhas numa resenha. Parece aqueles CDs em que a banda Mastruz Com Leite regrava “os grandes sucessos de Elba Ramalho”, com uma cantora imitando a voz de Elba.

Dias atrás, conversando com amigos, ficamos conjeturando como Hollywood adaptaria alguns clássicos do cinema. Alguém perguntou como seria La Strada de Fellini. Eu sugeri que o papel do brutamontes Zampanò, que fora de Anthony Quinn, seria entregue a Arnold Schwarzenegger; o da ingênua Gelsomina, que fora de Giulietta Masina, seria entregue a Julia Roberts; e o “Louco”, antes interpretado por Richard Basehart, seria agora Jim Carey. Vocês acham engraçado? Pois todo ano acontece algo assim.

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