segunda-feira, 31 de março de 2008

0338) O dilema da Tosca (20.4.2004)



Os conflitos entre judeus e palestinos (ou qualquer conflito político onde um acordo tenha que se basear na confiança mútua) me lembram um problema de lógica que Anatol Rapoport, num artigo sobre Teoria dos Jogos, chama de “O dilema da Tosca”.

Nesta ópera de Puccini, Tosca é amante de Cavaradossi, o qual é preso e condenado à morte pelo chefe de polícia, Scarpia. Este diz a Tosca que, caso ela se entregue a ele, dará um jeito para que Cavaradossi seja submetido a uma execução fictícia, e possa fugir.

Tosca, portanto, tem que correr o risco de acreditar que o policial irá cumprir a palavra. Por outro lado, Scarpia sabe que corre o risco de Tosca prometer que irá para a cama com ele, e na hora H mudar de idéia.

Temos aqui uma situação em que cada um dos agentes tem a opção de trair ou não trair o adversário. Os matemáticos atribuem valores a estas opções, para comparar o grau de recompensa de cada uma delas. Vejamos o que acontece, em primeiro lugar, com quem tem a intenção de ser fiel aos pactos assumidos.

Se Tosca mantém a palavra (entrega-se a Scarpia, um sujeito a quem odeia), isto representa uma perda; mas se Scarpia mantiver a palavra (libertar Cavaradossi, o homem que ela ama) isto será uma compensação suficiente. O seu problema acontece no caso de Scarpia a trair, porque neste caso ela terá um prejuízo duplo: entregou-se ao policial, e seu amante acabou morrendo.

A situação do policial Scarpia, do lado oposto, é exatamente a mesma.

Suponhamos que ele queira manter sua palavra e dê a ordem de que Cavaradossi seja libertado, ao partir para seu “rendez-vous” com Tosca. Ele mantém a palavra (liberta seu rival), e isto é uma perda para ele; mas se Tosca fôr fiel ao acordo (entregar-se a ele) isto será uma compensação razoável.

O grande problema, contudo, seria no caso de Tosca resolver traí-lo, porque ele perderia dos dois lados: soltaria o rival, e não possuiria a mulher que deseja.

Parece ser arriscado manter a palavra, aceitar a pequena perda decorrente da concessão que nós mesmos propomos. E o que ocorre se tomamos a decisão de trair, mesmo sem ter certeza da intenção do outro?

Se Tosca decide trair Scarpia (não entregar-se a ele), corre na pior das hipóteses o risco de um “empate” (se ele matar Cavaradossi) mas tem a possibilidade de uma vitória total se Scarpia fôr fiel ao pacto (nem ela se entrega, nem o amado é morto).

O mesmo vale para Scarpia se ele decidir traí-la (dar ordens para a morte de Cavaradossi, independentemente do que ela fizer). Neste caso, o pior resultado para ele é um “empate” (Tosca não se entrega, mas o rival dele morre), mas se Tosca fôr honesta ele, desonestamente, tem uma vitória dupla (possui Tosca, e mata Cavaradossi).

Quando não confiamos no interlocutor, traí-lo parece sempre ser a melhor solução, porque nos garante pelo menos um empate, se ele nos trair também, e uma vantagem caso ele seja honesto.






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