terça-feira, 11 de março de 2008

0205) Abaixo os ciclistas (16.11.2003)




(Imagem: Regina Célia Pinto)


Uma antiga piada fala de dois sujeitos conversando, e um deles é anti-semita. Lá pelas tantas, o anti-semita diz: “A culpa de tudo que existe de ruim no mundo é dos judeus.” O outro concorda: “Exatamente. Dos judeus e dos ciclistas.” O primeiro se espanta: “Oi... por que os ciclistas?” E o outro: “E por que os judeus?” Política contemporânea à parte, sou fã dos judeus, e não consigo imaginar um mundo sem eles. Por outro lado, a idéia de um mundo sem ciclistas me enche de prazer. Não peço que sejam deportados para uma penitenciária na Lua; bastaria que lhes tirassem as malditas bicicletas, e lhes ensinassem essas coisinhas que estão na moda por aí: bons modos, cidadania, educação no trânsito, amor ao próximo, amor à própria pele.

Não sei como se comportam eles na Paraíba, mas no Rio de Janeiro me causam muito mais preocupação do que as balas perdidas. Pelo menos uma vez por semana (ou seja, quando saio de casa) escapo milagrosamente de ser atropelado por um desses capadócios de capacete que invadem as calçadas, furam sinais e costuram pelo meio do trânsito, metendo-se em qualquer espaço onde caiba um brucutu sobre rodas movendo-se a cem quilômetros por hora. Quando a gente se dá conta, um deles passa triscando, a centímetros de distância, pedalando com uma fúria de quem está indo salvar o pai da forca ou a mãe da zona. E lá fico eu, um cavalheiro britânico educado em Oxford, bradando impropérios no meio da rua e rogando pragas para que o troglodita se espragate no parachoque do primeiro Scania.

Não haverá nenhuma lei estabelecendo que bicicleta é um veículo, tanto quanto uma moto, um automóvel ou um ônibus? Bicicletas não deveriam subir na calçada. Não deveriam andar na contramão. Não deveriam passar direto nos sinais vermelhos, como se aquilo não fosse com elas. Deveriam andar numa velocidade discreta, moderada, principalmente quando estão se metendo no meio dos pedestres. Mas não é isto que acontece. As bicicletas de hoje em dia me causam mais preocupação do que o Comando Vermelho. Eu já fiz muita besteira na vida, já escapei da morte algumas vezes. Já andei na contramão em carros dirigidos por bêbados, já me envolvi em alguns acidentes de carro, já tomei drogas, já filtrei com meu fígado quantidades industriais de bebida alcoólica, já me vi pego de surpresa no meio de tiroteios alheios, já briguei em arquibancada de futebol, já sofri assalto a mão armada. Nada disso me deixou tão temeroso pela minha vida quanto as vezes em que vou atravessar uma rua, olho para a direção de onde vêm os carros, vejo que estão todos parados diante do sinal... e quando piso no asfalto sinto passar na contramão, quase por cima dos meus tênis, um alexandre-frota de óculos espelhados montado num bólido, queimando seus gatorades. É como dizia Pinto do Monteiro; “Forçar eu não vou forçar, porque a força é pequena. Matá-lo também não posso, pois a justiça condena. Mas Lampião ter morrido... ô coisa pra fazer pena!”

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