Dentro das tradições do canto improvisado ou canto a desafio, a Espanha registra na região da Galícia a prática do repente chamado “regueifa”. A Galícia é a região a noroeste da Espanha cujos cidades mais conhecidas são Santiago de Compostela, La Coruña e Vigo. Ali, fala-se além do espanhol o idioma galego, que tem enorme semelhança com o português. Pode-se dizer, de certa forma, que a Galícia seria um prolongamento de Portugal para o Norte, que acabou ficando politicamente vinculado à Espanha.
A tradição da “regueifa” tem origem nas festas de casamento do povo galego. Regueifa, na verdade, é uma espécie de bolo ou de rosca (pão redondo) que é costume servir nestas ocasiões festivas. No clima de brincadeiras e de confraternização, surgiu a tradição de se fazerem desafios verbais, tradicionalmente iniciados com verso como “A regueifa está na mesa, / quem quere vir a colhe-la?”. Alguém aceita o desafio e improvisa uma quadra, quatro versos de 8 sílabas onde segundo e o quarto versos rimam entre si (uma estrofe aBcB). Um contendor responde esta quadra com outra, e passam a fazer esse ping-pong, por entre os aplausos e o incentivo dos grupos.
A regueifa é um canto a desafio, e envolve técnicas tradicionais como elogiar o próprio grupo (família, aldeia, etc.) e atacar ironizando o grupo a que pertence o adversário, além de fazer insultos e provocações de todo tipo. Cantada “a capella”, sem o uso de instrumentos, a regueifa se caracteriza principalmente pela velocidade com que os versos são feitos. Considera-se vencedor aquele que depois de improvisar uma quadra não é rebatido pelo adversário, que se cala ou entrega os pontos. O teor da disputa, principalmente de disputa entre clãs ou grupos territoriais, pode ser bem intenso, e em muitas ocasiões certas localidades proibiram a prática da regueifa porque essas disputas costumavam acabar em quebra-quebra e enfrentamento corporal.
Eis algumas quadras típicas, no curioso idioma galego, que chega a parecer um português mal escrito: “A regueifa está na mesa / e no medio ten un ovo / para cantar a regueifa / veñen as de Portonovo. // A regueifa está na mesa / ela é de pan de centeo / o muiño que a moeu / non tiña capa nin veo. // A regueifa está na mesa / eu comereina primeiro. / Quén me dera estar ca noiva / no burato do palleiro!” Acho que era nessa hora que o bofete falava no centro.
A regueifa é hoje cada vez menos praticada, ao contrário dos desafios dos “bertsolaris” do País Basco. Só restam praticantes nas comarcas de Brindeiro e Bergantiños, a qual (principalmente a cidade de Coristanco) é a região natal de muitos regueifeiros famosos como Mandián e Leonarda de Xornes, Sotelo de Xaviña, Celestino de Cerqueda e Branco de Muiñoseco. Os que mantêm esta tradição orgulham-se de cultivar os talentos essenciais da regueifa: o “desafío”, a “improvisación” e o “inxenio” (engenho, habilidade). Longa vida aos poetas da regueifa!
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