A melhor definição de literatura que eu já vi é do escritor Damon Knight. Dizia ele: “Uma história não é aquela porção de páginas com palavras impressas. Aquilo ali são as instruções verbais para criar a história. A história é o que acontece em sua mente enquanto você lê as instruções.” Tá dito tudo, não é mesmo? A literatura manipula palavras que, a rigor, são apenas sinais gráficos no papel. É uma atividade abstrata. Podemos achar que um filme também é um conjunto de instruções audiovisuais sobre como criar a história, mas aí já seria forçar a barra, porque afinal um filme nos impõe imagens e sons concretos. O mesmo se aplica ao teatro, aos quadrinhos, a às outras formas de arte narrativa. Somente a literatura é feita apenas de instruções verbais que precisam ser transcodificadas em nossa mente para gerar a história.
Escrevo: “um triângulo amarelo dentro de um quadrado azul”, e tenho certeza de que o leitor vê o que sugeri. Se pudéssemos enxergar a visualização feita por mil leitores (se é que tem tanta gente lendo esta coluna), teríamos mil pequenas variações desta imagem básica. Escrevo: “Uma rua deserta de madrugada, um carro que avança lentamente, de faróis apagados”. As variações podem ser incontáveis. Qual é a rua deserta? A Av. Presidente Vargas? A Quinta Avenida? A Maciel Pinheiro (de Campina Grande, de João Pessoa)? Uma rua abstrata? E o carro? É uma fusca, é um Gol, é uma Ferrari reluzente, um DKW-Vemag branco com teto preto? Tudo isto é possível, porque as palavras descreveram mas não especificaram. A arte da prosa e da poesia é essa oscilação entre o que é dito e o que é deixado à imaginação.
Surge daí a minha teoria de “música dramatúrgica”. (Meu negócio é teoria; não me peçam para praticar, dá muito trabalho) A música dramatúrgica é quando você usa a palavra e os efeitos sonoros para criar ambientes, ações, situações, personagens, etc., trazendo ao universo tão repetitivo da canção popular (o cantor cantando, o acompanhamento acompanhando, os vocalistas vocalizando...) algo da literatura escrita e da novela de rádio. Não tenho nada contra as canções tradicionais; passo o dia a escutá-las, mas por isso mesmo começo a matutar: Será que é só isso? Voz, violão, banda, orquestra? Por que não usar o CD para criar pequenas histórias em volta das canções, através de vozes, ruídos, efeitos sonoros, e todos os recursos que as antigas novelas de rádio nos davam?
No rádio, basta um zumbido profundo para dizer: estamos numa espaçonave. Basta um cloc-cloc de cascos para sugerir, a custo zero, um bando de jagunços ou de caubóis. Basta um fundo sonoro de grilos e araras para criar a Floresta Amazônica. Produções milionárias e gratuitas, para enriquecer a textura e o sentido das canções, trasformando-as em áudio-clips, em pequenas histórias que vão além do esquema “cantor + coro + acompanhamento”. Um CD sonoro é um universo de possibilidades, e mal arranhamos a sua superfície.
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