domingo, 9 de março de 2008

0122) As máquinas literárias (12.8.2003)




(Retrato de Poe, por John Helfrich)


Em 1841, Edgar Allan Poe publicou o conto “Os assassinatos da Rua Morgue”, onde o detetive Dupin esclarecia um crime misterioso: duas mulheres barbaramente assassinadas num apartamento cujas portas e janelas estavam todas trancadas por dentro. Não havia sinal do assassino. Por onde ele teria entrado e saído?

O conto de Poe teve enorme sucesso, principalmente pelos métodos de raciocínio usados pelo detetive, o qual acabaria anos depois inspirando a Conan Doyle a criação do detetive mais famoso de todos, Sherlock Holmes, cujo modo de pensar imita o de Dupin.

Em 1895, H. G. Wells publicou “A máquina do tempo”, história de um cientista que construía esta máquina e viajava para o futuro remoto, onde passava por uma porção de aventuras e depois retornava a Londres para dar seu testemunho sobre o futuro da humanidade.

Até então, histórias de pessoas que viajavam no Tempo usavam sempre meios não-científicos: um sonho, uma poção mágica, uma sessão hipnótica, um distúrbio mental... Coube a Wells ter a idéia de uma máquina, e da teoria por trás dela, a qual deu origem ao termo hoje tão comum de “quarta dimensão” para designar o Tempo.

O livro de Wells é um clássico da ficção científica, tendo sido adaptado várias vezes para o cinema, uma delas no ano passado.

O que estas duas narrativas têm em comum? Elas foram tão imitadas que acabaram virando sub-gêneros.

Hoje em dia, histórias de máquinas do tempo se tornaram tão comuns quanto histórias de espaçonaves. Desde o seriado de TV “Túnel do Tempo” até filmes recentes como a série “Exterminador do Futuro”, essas histórias fazem parte do vocabulário da literatura e do cinema.

Do mesmo modo, histórias de crimes em aposentos trancados de onde o criminoso desaparece misteriosamente são um popular sub-gênero da literatura policial. Em sua pesquisa bibliográfica a respeito (Locked Room Murders, 1991), Robert Adey relaciona um total de 2.019 histórias que usam variantes deste artifício.

Um gênero literário nada mais é do que um conjunto de convenções, temas, situações, etc., que têm poder de atrair a imaginação dos autores e a curiosidade dos leitores. Alguma coisa nos crimes de quarto fechado e nas máquinas do tempo exerce esse tipo de sedução.

Poderíamos ampliar muito esta lista: a situação romeu-e-julieta (amantes pertencentes a grupos inimigos) é outra que já foi explorada por todo mundo.

Seria curioso se neste século surgissem novos sub-gêneros a partir de outras obras.

Por exemplo: têm surgido cada vez mais narrativas cujo elemento central é um manuscrito misterioso (ou livro sobrenatural) que é procurado por todos, e que deixa um rastro de tragédias ou epifanias atrás de si. Em obras de H. P. Lovecraft, Jorge Luís Borges, Garcia Márquez, Umberto Eco, Arturo Pérez-Reverte, Rubem Fonseca, esta interessante idéia começa a florescer. Uma boa idéia literária gera uma reação em cadeia, e um século depois nasceu um novo gênero.





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