Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 9 de março de 2008
0121) O cinema espiritual (10.8.2003)
(ilustração: Saul Steinberg)
Não sei se quem o batizou foi o mestre Wills Leal, mas foi nas páginas de “Cinema & Província” que o Cinema Espiritual Paraibano começou a existir para mim e para todos da minha geração.
O Cinema Espiritual, no sentido estrito, é um fenômeno das “adegas tropicalistas” pessoenses de meados dos anos 1960. Digo pessoenses porque nessa época, se em João Pessoa já se sonhava em fazer cinema, em Campina o pessoal ainda não tinha nem pegado no sono.
Havia algumas tentativas, como A Feira de Machado Bittencourt; mas João Pessoa era aos nossos olhos uma verdadeira indústria, um dos pilares do Cinema Novo: Aruanda, Romeiros da Guia, Cajueiro Nordestino, A Cabra na Região Semi-Árida...
Estes filmes, contudo, eram o Cinema Material, eram o cinema paraibano que o Brasil inteiro veio a conhecer, e que mereceu há poucos anos uma tese de mestrado do ator José Marinho: Dos Homens e das Pedras – o Ciclo do Cinema Documentário Paraibano, 1959-1979 (Editora da Universidade Federal Fluminense, 1998).
São filmes de verdade, que milagrosamente chegaram a ser realizados numa época em que as dificuldades financeiras eram as mesmas de hoje, e as dificuldades técnicas incomparavelmente maiores.
O Cinema Espiritual era outra coisa. Pretendentes a cineasta reuniam-se em mesas de bar, ou em “bacuraus” noturnos pelas ruas da cidade, e durante horas a fio descreviam minuciosamente os filmes que pretendiam fazer.
Ficavam, como diz Wills, “rodando fitas na cabeça”: “Abre o filme com um cara andando pela calçada, entrando num prédio. A câmara sobe numa grua até o quinto andar, entra pela janela, segue pelo corredor...”
Ninguém tinha nem câmara, quanto mais grua; mas isso nunca impediu ninguém de sonhar. Em pouco tempo os cineclubistas campinenses tinham pegado o espírito da coisa, e as madrugadas da Praça da Bandeira já viam mais filmes do que as tardes do Capitólio.
Hoje, quando o Cinema Material paraibano vive um dos seus melhores momentos, não custa nada dar ao Cinema Espiritual a importância devida.
Ele não faz parte da História do Cinema, porque cinema se faz com câmara, película, projetor. O Cinema Espiritual é uma atividade literária, é um sub-conjunto da Literatura Oral.
Seu objetivo não é necessariamente o de passar pelo sofrido parto das verbas, dos projetos, das lentes e dos celulóides. É um gesto criativo borgiano, uma vez que Jorge Luís Borges criou o sub-gênero da “crítica do livro que não foi escrito”.
Ninguém pode deixar para ter idéias somente depois de feita a captação de verbas. Imaginar em voz alta filmes que nunca serão feitos é uma respiração natural da mente criativa. É uma forma de Literatura Oral que basta-se a si mesma, que não precisa transformar-se em atos e fatos, e neste sentido pertence ao mesmo universo das plataformas de governo, das profecias dos astrólogos, das juras de amor e das resoluções de Ano Novo.
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