Já vi gente colecionar as coisas mais diferentes. Rótulos de refrigerante, garrafas de cachaça, latas de cerveja, flâmulas, chaveiros, tampas de garrafas, caixinhas de música, marcadores de livro, selos, moedas e cédulas antigas... Se você perguntar por que ele coleciona aquilo, e não outra coisa, o sujeito vai dar de ombros. No fundo, seu trauma benigno é mais o ato de colecionar do que a natureza da coleção. Se um dia um incêndio destruir sua coleção de caixas de fósforos promocionais, ele vai começar a colecionar mini-calendários.
Colecionar “livros” ou “discos” é muito vago, e em geral os maníacos preferem definir subconjuntos específicos, que possam ser completados. Muitos leitores de ficção científica têm como hobby reunir os mais de 500 volumes da Colecção Argonauta, de Portugal, que durante muitos anos comprei na saudosa Livraria Pedrosa, desde que aos catorze encontrei ali o número 55, “Os frutos dourados do sol”, de Ray Bradbury. Meu amigo José Fernandes conseguiu completá-la. A euforia subseqüente foi substituída por uma depressão: e agora, faço o quê? Resposta: começou uma segunda coleção Argonauta, que vai de vento em pôpa. Não é muito diferente do inesquecível Jakson Agra, que tinha duas coleções completas dos Beatles, uma para ouvir, a outra para guardar.
Quem coleciona tem em geral uma mentalidade classificatória, estatística, lexicográfica. Adora tabelas e índices remissivos. Adora organizar, comparar listas. Colecionadores trazem sempre no bolso a famosa “lista de faltas”, os números que faltam para preencher sua coleção. Nos sebos, podem ser reconhecidos com facilidade. Entram, vão direto à estante específica, percorrem com o olhar e o dedo toda a prateleira, e ao se deparar com algo novo puxam a carteira, conferem a lista de faltas, pegam a preciosidade e vão direto ao caixa. Em casa puxam a caneta e riscam um X sobre aquele número. Um a menos!
Meu pai tinha um amigo em Recife que colecionava o primeiro número (“Ano I, no 1”) de qualquer publicação que aparecesse. Quem faz coleções desse tipo não tem muito a ver com, digamos, o milionário que coleciona quadros. Neste caso, trata-se de um investimento, de guardar obras que se valorizam com o tempo. Mas, colecionar postais? Bonés de times de futebol? Miniaturas de bebidas? O que move esses indivíduos é algo além do lucro material, até porque eles sabem muito bem que quando morrerem a viúva vai vender aquilo por uma merreca, em menos de um mês.
É ao espírito dos colecionadores que a História humana deve muita coisa. Muito do que sabemos hoje sobre a Idade Média ou a Antiguidade não se deve somente aos documentos preservados em mosteiros ou bibliotecas, mas ao fato de que naquelas épocas remotas já havia gente que colecionava vasos de barro, rolos de papiro, imagens rituais. O colecionador está, talvez, cumprindo um ritual gravado a ferro e fogo no DNA da espécie. “Junte, guarde, não jogue fora. Um dia, alguém pode precisar.”
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