Estou há quase um mês atracado com o livro Byron: poemas, cartas, diários, &c (Perspectiva,
2025) de André Vallias, que fez a organização, tradução e introdução ao volume.
São 640 páginas que podem ajudar muito a trazer de volta
às discussões literárias o nome de George Gordon, Lord Byron (1788-1824), morto
aos 36 anos, protagonista de uma vida
movimentada e errante, e um dos poetas mais famosos da Europa em sua época.
Antes de curtir os poemas, estou lendo a parte biográfica
do livro, que tem uma longa introdução de André Vallias, e depois numerosas
cartas, trechos de diários e documentos do próprio Byron.
Conhecido como grande poeta, Byron é uma espécie de
patrono invisível da literatura fantástica e da ficção científica.
Isto não transparece em suas cartas e diários, que se
concentram em questões práticas (dinheiro, namoros, viagens) e políticas – ele
se envolveu em guerras nacionalistas tanto na Itália quanto na Grécia, onde
acabou morrendo, de morte natural.
A ligação de Byron com a literatura fantástica se dá
principalmente pelo famoso episódio de junho de 1916, quando ele estava
hospedado em Genebra, na mansão conhecida como Villa Diodati, em companhia do
casal Percy e Mary Shelley, do médico John Polidori e de Claire Clairmont, irmã
adotiva de Mary.
(Noiva de
Frankenstein, de James Whale, 1935: “Mary Shelley”, Elsa Lanchester; “Lord
Byron”, Gavin Gordon; e “Percy Shelley”, Douglas Walton)
É um episódio célebre da história da Literatura, muitas
vezes adaptado pela ficção e pelo cinema. Era um verão chuvoso. O grupo estava
discutindo questões filosóficas e lendo histórias de terror, principalmente a
coletânea alemã (traduzida ao francês) Fantasmagoriana,
ou Recueil d'histoires d'apparitions de spectres, revenants, fantômes, etc.,
traduit de l'allemand par un amateur.
Byron propôs que cada um do grupo escrevesse uma “história
de fantasmas”, e várias narrativas começaram a ser escritas naquela noite. O
próprio Byron deixou um texto incompleto conhecido hoje como Fragment of a Novel – a história da
morte e sepultamento de um homem que, de acordo com a idéia inicial, deveria
aparecer depois em outro país, vivo e ativo.
Byron não chegou a concluir o conto, que trazia em si a
idéia do vampiro, o morto aparente que depois se revela estar vivo. André
Vallias informa (p. 22) que a tradução “Fragmento de Novela” foi publicada no
Brasil na antologia Contos Clássicos de
Vampiro (Ed. Hedra, São Paulo, 2010), organizada por Bruno Costa, com
tradução de Marta Chiarelli. Byron já havia explorado o tema no poema O Giaour, de 1813; mas na verdade nunca
demonstrou grande interesse por ele.
O tema do vampiro – um personagem notório do folclore
europeu – foi retomado por John Polidori. Ele aproveitou inclusive o nome do
personagem de Byron para sua novela O
Vampiro (1819), que Christopher Frayling disse ser “a primeira história que
conseguiu fundir com sucesso os elementos díspares do vampirismo num gênero
literário coerente”. Uma tradução brasileira do texto de Polidori está na ótima
antologia O Vampiro Antes de Drácula (Ed.
Aleph, São Paulo), organizada por Martha Argel e Humberto Moura Neto.
O texto mais importante a resultar dessa noite foi sem
dúvida o Frankenstein de Mary
Shelley, cuja primeira edição (1818) saiu anonimamente, fazendo algumas pessoas
atribuírem o livro ao pai de Mary (William Godwin) ou ao seu marido (Percy
Shelley).
Essa bifurcação temática faz com que Byron tenha sido,
pelo menos por um impulso inicial, um inspirador tanto do personagem “Drácula”
quanto do personagem “Frankenstein” – e neste caso, da literatura de ficção
científica, que para muitos historiadores, como Brian Aldiss, começa em 1818
com a obra de Mary Shelley.
Byron escreveu em 1819:
A história do acordo para escrever os livros de fantasmas é verdadeira
– mas as Senhoras não são irmãs – uma é filha de Godwin com Mary Wollstonecraft
– e a outra é filha da atual Sra. Godwin com um marido anterior. Tanto para a
história do “incesto” do canalha Southey – nem houve qualquer relação
promíscua, ambas são invenções do execrável vilão Southey – a quem chamarei
assim tão publicamente quanto ele merece. – Mary Godwin (agora Sra. Shelley)
escreveu “Frankenstein” – que você resenhou pensando ser de Shelley – acho que
é um trabalho maravilhoso para uma garota de dezenove anos – nem ainda
dezenove, na verdade – naquela época.
(Carta a John Murray, 15-5-1819, em Byron, trad. André Vallias, p. 425-426)
Byron paira como um espírito inspirador por cima da
narrativa fantástica inglesa, onde o tipo chamado ”o Herói Byroniano” ganhou
uma projeção que vai muito além, talvez, da projeção dos seus próprios versos. O Lord foi sucesso de vendas na sua juventude:
O Corsário (1814) vendeu dez mil
exemplares no primeiro dia de lançamento.
No capítulo 5 de A Heritage of Horror: The English Gothic
Cinema 1946-1972 (New York: Avon Books, 1974), David Pirie esmiuça o modo
como a personalidade do Lord se impregnou na cultura inglesa, independentemente
de seus poemas.
Ele cita
Herbert Read em Surrealism and the
Romantic Principle:
E o calafrio moral que o simples nome de Byron provoca nos lares
burgueses viria a ser intensificado por nossa aclamação. Byron não é, por
medida alguma, um poeta surrealista; mas é uma personalidade surrealista. Ele é
o único poeta inglês capaz de ocupar, em
nossa hierarquia, a posição ocupada na França pelo Marquês de Sade.
(trad. BT)
Bonitão, rico, perdulário, bissexual, erudito, carismático,
dono de um verso fluente e acessível, Lord Byron foi idolatrado e odiado a
ponto de fugir da Inglaterra e nunca mais voltar. Construiu, meio por impulso,
meio de improviso, meio por arrogância juvenil, uma persona dentro da qual desapareceu.
Diz David Pirie:
O Vampiro [de John Polidori] revela a ligação entre Byron e
Drácula de tal modo que torna-se impossível não vê-los como parentes
literários; porque o romance de Stoker trouxe, para o consumo popular de sua época,
a estirpe do Aristocrata Fatal com olhos penetrantes e ambições mortais, que
Byron já havia capturado das páginas de Mrs. Radcliffe e transformado num culto
a um personagem. (trad. BT)
Ele encarnou em muitos aspectos o herói romântico de sua
época, inclusive em sua fascinação pelas terras exóticas. Perseguido na
Inglaterra por seu comportamento chocante e por dívidas, chegou a cogitar em
1822 mudar-se para a América do Sul. Apoiou os italianos em sua luta
nacionalista e depois rumou para a Grécia, com dinheiro, armas e disposição para
ajudar os gregos na luta por sua independência do Império Otomano.
(Christopher Lee, o vampiro byroniano)
Sob este aspecto é bom lembrar o discurso nacionalista do
Conde Drácula no filme de Jesse Franco Count
Dracula (1970). Quando inquirido por Jonathan Harker, o Conde é tomado por
um acesso de orgulho guerreiro, e diz que foram os Dráculas que se opuseram a
invasões sucessivas, ao longo dos séculos, de exércitos estrangeiros que não
conseguiram submeter aquele recanto obscuro da Europa.
Aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=rZJ49vOD64s
Byron cultivava esse impulso romântico de defender os underdogs contra os poderosos, os Davis
contra os Golias, os pequenos bandos de guerrilheiros contra os exércitos, os
idealistas contra os legalistas – seu primeiro discurso na Câmara dos Lordes em
1812 (transcrito no livro) foi a favor dos “luditas” que quebravam teares, e contra
o projeto de lei que os condenava à morte.
(Ada Lovelace)
Um último elo de Byron com a literatura de FC é bastante
indireto mas não menos significativo. Sua única filha legítima (com Annabella
Milbanke) foi a famosa Ada Lovelace (1815-1852), uma personagem crucial na
história da computação e da informática, citada em numerosos romances de FC,
entre eles A Máquina Diferencial
(1991) de William Gibson e Bruce Sterling.
Essa relação ganharia um ângulo novo e interessante com o
romance da recriação de Byron por Inteligência Artificial, Conversações Com Lord Byron Sobre Perversão, 164 Anos Depois de Sua
Morte, de Amanda Prantera, que comentei mais detalhadamente aqui:
https://mundofantasmo.blogspot.com/2021/07/4720-mente-cibernetica-de-lord-byron.html
No próximo dia 25 de março, terça-feira, estarei
conversando com André Vallias, na Livraria Travessa, de Ipanema, a partir das
19:00, sobre o seu livro Byron, tradução
poética, vida e aventuras do Lorde e outros assuntos que sobrevenham.
(A Villa Diodati, em Genebra)
Nenhum comentário:
Postar um comentário