quinta-feira, 13 de março de 2025

5161) Lord Byron, Drácula, Frankenstein (13.3.2025)



 
Estou há quase um mês atracado com o livro Byron: poemas, cartas, diários, &c (Perspectiva, 2025) de André Vallias, que fez a organização, tradução e introdução ao volume. 
 
São 640 páginas que podem ajudar muito a trazer de volta às discussões literárias o nome de George Gordon, Lord Byron (1788-1824), morto aos 36 anos,  protagonista de uma vida movimentada e errante, e um dos poetas mais famosos da Europa em sua época. 
 
Antes de curtir os poemas, estou lendo a parte biográfica do livro, que tem uma longa introdução de André Vallias, e depois numerosas cartas, trechos de diários e documentos do próprio Byron. 
 
Conhecido como grande poeta, Byron é uma espécie de patrono invisível da literatura fantástica e da ficção científica. 
 
Isto não transparece em suas cartas e diários, que se concentram em questões práticas (dinheiro, namoros, viagens) e políticas – ele se envolveu em guerras nacionalistas tanto na Itália quanto na Grécia, onde acabou morrendo, de morte natural. 
 
A ligação de Byron com a literatura fantástica se dá principalmente pelo famoso episódio de junho de 1916, quando ele estava hospedado em Genebra, na mansão conhecida como Villa Diodati, em companhia do casal Percy e Mary Shelley, do médico John Polidori e de Claire Clairmont, irmã adotiva de Mary. 



(Noiva de Frankenstein, de James Whale, 1935: “Mary Shelley”, Elsa Lanchester; “Lord Byron”, Gavin Gordon; e “Percy Shelley”, Douglas Walton)
 
 
É um episódio célebre da história da Literatura, muitas vezes adaptado pela ficção e pelo cinema. Era um verão chuvoso. O grupo estava discutindo questões filosóficas e lendo histórias de terror, principalmente a coletânea alemã (traduzida ao francês) Fantasmagoriana, ou Recueil d'histoires d'apparitions de spectres, revenants, fantômes, etc., traduit de l'allemand par un amateur
 
Byron propôs que cada um do grupo escrevesse uma “história de fantasmas”, e várias narrativas começaram a ser escritas naquela noite. O próprio Byron deixou um texto incompleto conhecido hoje como Fragment of a Novel – a história da morte e sepultamento de um homem que, de acordo com a idéia inicial, deveria aparecer depois em outro país, vivo e ativo. 
 
Byron não chegou a concluir o conto, que trazia em si a idéia do vampiro, o morto aparente que depois se revela estar vivo. André Vallias informa (p. 22) que a tradução “Fragmento de Novela” foi publicada no Brasil na antologia Contos Clássicos de Vampiro (Ed. Hedra, São Paulo, 2010), organizada por Bruno Costa, com tradução de Marta Chiarelli. Byron já havia explorado o tema no poema O Giaour, de 1813; mas na verdade nunca demonstrou grande interesse por ele. 
 
O tema do vampiro – um personagem notório do folclore europeu – foi retomado por John Polidori. Ele aproveitou inclusive o nome do personagem de Byron para sua novela O Vampiro (1819), que Christopher Frayling disse ser “a primeira história que conseguiu fundir com sucesso os elementos díspares do vampirismo num gênero literário coerente”. Uma tradução brasileira do texto de Polidori está na ótima antologia O Vampiro Antes de Drácula (Ed. Aleph, São Paulo), organizada por Martha Argel e Humberto Moura Neto. 




O texto mais importante a resultar dessa noite foi sem dúvida o Frankenstein de Mary Shelley, cuja primeira edição (1818) saiu anonimamente, fazendo algumas pessoas atribuírem o livro ao pai de Mary (William Godwin) ou ao seu marido (Percy Shelley). 
 
Essa bifurcação temática faz com que Byron tenha sido, pelo menos por um impulso inicial, um inspirador tanto do personagem “Drácula” quanto do personagem “Frankenstein” – e neste caso, da literatura de ficção científica, que para muitos historiadores, como Brian Aldiss, começa em 1818 com a obra de Mary Shelley. 
 
Byron escreveu em 1819:
 
A história do acordo para escrever os livros de fantasmas é verdadeira – mas as Senhoras não são irmãs – uma é filha de Godwin com Mary Wollstonecraft – e a outra é filha da atual Sra. Godwin com um marido anterior. Tanto para a história do “incesto” do canalha Southey – nem houve qualquer relação promíscua, ambas são invenções do execrável vilão Southey – a quem chamarei assim tão publicamente quanto ele merece. – Mary Godwin (agora Sra. Shelley) escreveu “Frankenstein” – que você resenhou pensando ser de Shelley – acho que é um trabalho maravilhoso para uma garota de dezenove anos – nem ainda dezenove, na verdade – naquela época. 
(Carta a John Murray, 15-5-1819, em Byron, trad. André Vallias, p. 425-426)
 
Byron paira como um espírito inspirador por cima da narrativa fantástica inglesa, onde o tipo chamado ”o Herói Byroniano” ganhou uma projeção que vai muito além, talvez, da projeção dos seus próprios versos.  O Lord foi sucesso de vendas na sua juventude: O Corsário (1814) vendeu dez mil exemplares no primeiro dia de lançamento. 



No capítulo 5  de A Heritage of Horror: The English Gothic Cinema 1946-1972 (New York: Avon Books, 1974), David Pirie esmiuça o modo como a personalidade do Lord se impregnou na cultura inglesa, independentemente de seus poemas. 
 
Ele cita Herbert Read em Surrealism and the Romantic Principle:
 
E o calafrio moral que o simples nome de Byron provoca nos lares burgueses viria a ser intensificado por nossa aclamação. Byron não é, por medida alguma, um poeta surrealista; mas é uma personalidade surrealista. Ele é o único poeta inglês  capaz de ocupar, em nossa hierarquia, a posição ocupada na França pelo Marquês de Sade. 
(trad. BT)
 
Bonitão, rico, perdulário, bissexual, erudito, carismático, dono de um verso fluente e acessível, Lord Byron foi idolatrado e odiado a ponto de fugir da Inglaterra e nunca mais voltar. Construiu, meio por impulso, meio de improviso, meio por arrogância juvenil, uma persona dentro da qual desapareceu. 
 
Diz David Pirie:
 
O Vampiro [de John Polidori] revela a ligação entre Byron e Drácula de tal modo que torna-se impossível não vê-los como parentes literários; porque o romance de Stoker trouxe, para o consumo popular de sua época, a estirpe do Aristocrata Fatal com olhos penetrantes e ambições mortais, que Byron já havia capturado das páginas de Mrs. Radcliffe e transformado num culto a um personagem. (trad. BT) 
 
Ele encarnou em muitos aspectos o herói romântico de sua época, inclusive em sua fascinação pelas terras exóticas. Perseguido na Inglaterra por seu comportamento chocante e por dívidas, chegou a cogitar em 1822 mudar-se para a América do Sul. Apoiou os italianos em sua luta nacionalista e depois rumou para a Grécia, com dinheiro, armas e disposição para ajudar os gregos na luta por sua independência do Império Otomano. 



(Christopher Lee, o vampiro byroniano)

 
Sob este aspecto é bom lembrar o discurso nacionalista do Conde Drácula no filme de Jesse Franco Count Dracula (1970). Quando inquirido por Jonathan Harker, o Conde é tomado por um acesso de orgulho guerreiro, e diz que foram os Dráculas que se opuseram a invasões sucessivas, ao longo dos séculos, de exércitos estrangeiros que não conseguiram submeter aquele recanto obscuro da Europa. 
 
Aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=rZJ49vOD64s
 
Byron cultivava esse impulso romântico de defender os underdogs contra os poderosos, os Davis contra os Golias, os pequenos bandos de guerrilheiros contra os exércitos, os idealistas contra os legalistas – seu primeiro discurso na Câmara dos Lordes em 1812 (transcrito no livro) foi a favor dos “luditas” que quebravam teares, e contra o projeto de lei que os condenava à morte. 



(Ada Lovelace)

 
Um último elo de Byron com a literatura de FC é bastante indireto mas não menos significativo. Sua única filha legítima (com Annabella Milbanke) foi a famosa Ada Lovelace (1815-1852), uma personagem crucial na história da computação e da informática, citada em numerosos romances de FC, entre eles A Máquina Diferencial (1991) de William Gibson e Bruce Sterling. 
 
Essa relação ganharia um ângulo novo e interessante com o romance da recriação de Byron por Inteligência Artificial, Conversações Com Lord Byron Sobre Perversão, 164 Anos Depois de Sua Morte, de Amanda Prantera, que comentei mais detalhadamente aqui: 
 
https://mundofantasmo.blogspot.com/2021/07/4720-mente-cibernetica-de-lord-byron.html
 
No próximo dia 25 de março, terça-feira, estarei conversando com André Vallias, na Livraria Travessa, de Ipanema, a partir das 19:00, sobre o seu livro Byron, tradução poética, vida e aventuras do Lorde e outros assuntos que sobrevenham. 



(A Villa Diodati, em Genebra)



 
 
 
 
 




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