(foto: Stanley Forman, 1975, Prêmio Pulitzer)
Um dos subgêneros mais interessantes da Fotografia é a
famosa foto do “Instante Irrepetível”. A
foto de algo que estava acontecendo diante do fotógrafo, ele clicou, e aquele
brevíssimo segundo ficou capturado para sempre.
São aquelas fotos que a gente olha e pensa: “Caramba...
um segundo antes, ou um segundo depois, e seria impossível ter feito esta
foto.”
Dizemos também: “Puxa vida, que sorte haver um fotógrafo
por perto, para captar um momento fugaz como esse!...”
É o que acontece com a foto no início deste texto, em que
Stanley Forman captou a queda de uma adolescente (que morreu) e um garoto (que
sobreviveu), quando uma escada de incêndio se partiu ou se desprendeu de seus
suportes, a julgar pela imagem. Um
segundo a mais, e não haveria foto.
(foto: Robert H. Jackson, 1962, Prêmio Pulitzer)
Outro bom exemplo é a foto acima, de Robert H. Jackson.
Ela também ganhou o Prêmio Pulitzer de melhor foto do ano, e registra o instante em
que Jack Ruby matou a tiros Lee Oswald, o presumido assassino de John Kennedy.
Não é uma foto “artística”, mas é o equivalente fotográfico a um furo de
reportagem.
Fotos desse tipo são feitas por profissionais que estão o
tempo todo com a câmera pronta e engatilhada. Sua tarefa é estar atento,
perceber a situação que se arma à sua frente, erguer a câmera, apertar o botão
no momento certo.
Comigo não vai acontecer nunca. Mesmo que eu veja a dez
metros de altura um disco-voador com a bandeira do Treze, vou ter que parar na
calçada, enfiar a mão no bolso da calça, tirar o celular, ligar, premir a
impressão digital, tocar no ícone da câmera, erguer o aparelho... e a esta altura
o Ovni já sumiu, ou ergueu uma bandeira do Campinense. Perdi a foto.
(fotos: Josef Koudelka)
Estas duas fotos do mestre Josef Koudelka mostram
instantes assim. O menino praticamente deitado em cima do burro e os homens
soltando foguetões são provavelmente cenas com que ele se deparou, fez uma
porção de cliques e escolheu divulgar o que lhe pareceu mais bacana. Acredito
que sejam fotos espontâneas, sem interferência dele. Talvez as pessoas nem
percebessem que estavam sendo fotografadas.
É diferente de uma “foto provocada”, como esta abaixo, do
mesmo Koudelka, em que percebemos com clareza a interação provocativa, até
brincalhona, entre o fotógrafo e os fotografados:
(foto: Josef Koudelka)
A foto “do instante” nem precisa ser uma grande foto, do
ponto de vista da luminosidade, enquadramento e outros recursos. Às vezes é
meio borrada, ou meio inclinada, mas não importa – é o registro do
momento! Um instante que nunca vai se
repetir, e que alguém registrou.
Será que é? Porque depois que a gente se acostuma com os
truques e as espertezas dos fotógrafos, a gente começa a desconfiar. OK, essa
pessoa estava ali, fez esse gesto... Mas será que não foi tudo combinado? Será
que o fotógrafo não concebeu essa cena na cabeça, e depois conseguiu pessoas dispostas
a “posar” com essa aparência de casualidade?
Não é preciso que o modelo da foto seja alguém contratado
pelo artista. Pode ser gente da rua, pessoas que não o conhecem, ou que nem
sabem estar sendo fotografadas. É o caso das fotos abaixo, de Henri
Cartier-Bresson, um craque nessa captação dos momentos bonitos do cotidiano. O
fotógrafo vê uma poça dágua lisa como um espelho. O que faz ele? Fica
discretamente de emboscada, esperando o pulo inevitável dos transeuntes.
(fotos: Henri Cartier-Bresson)
O fotógrafo fica à espera de que a foto aconteça, porque
há um elemento (a poça dágua) que vai deflagrar a foto. Nas fotos abaixo, de
Robert Doisneau (o autor da famosa foto do rapaz beijando a moça, em Paris, nas
comemorações do fim da guerra), ele deixou a pintura da mulher nua, exposta na
vitrine, como isca. E registrou as reações.
Numa foto temos uma mulher indignada com “aquela pouca
vergonha”; na outra temos uma mulher muito séria, mostrando outra pintura,
enquanto o homem olha à socapa o quadro da mulher pelada.
(fotos: Robert Doisneau)
Essas lembranças me vieram à mente por conta de uma moda
recente nas redes sociais. Fotógrafos registram quadros nas paredes do museus
ou de galerias de arte, e na frente do quadro a presença de uma pessoa vestida
nas mesmas cores, ou no mesmo estilo, ou reproduzindo, de alguma maneira, as
formas do quadro que contempla.
Tem vários exemplos; peguei alguns de autoria de Stefan
Draschan:
(fotos: Stefan Draschan)
Isto é casual? É combinado? Pode ser qualquer uma das
duas coisas.
Para ser casual, seria preciso que o fotógrafo se
postasse à frente de um quadro cujos elementos (cores, grafismo, etc.) pudessem aparecer nas roupas de alguém; ou ver a roupa de uma pessoa e segui-la museu
afora, esperando por um quadro que “desse match”.
Acho mais possível que sejam fotos construídas. Se fosse
comigo, eu fotografaria algumas dezenas de quadros, expostos em lugares de
fácil acesso, e mostraria aos meus amigos e amigas, sugerindo que arranjassem
alguma roupa “rimando” com o quadro.
(foto: Henri Cartier-Bresson)
Isso é fake news,
é charlatanismo, é má fé? De jeito
nenhum. É uma foto construída. Ela é feita para dar a impressão de foto casual,
mas é um acaso fingido. O que conta ali não é a pretensão de ter flagrado um
momento raríssimo, mas a revelação de uma simetria inesperada.
Gostamos disso porque gostamos de tudo que rima, tudo que
repete um efeito, tudo que cria uma semelhança entre duas coisas não-relacionadas.
Não importa se foi aleatório ou se foi planejado, desde que o efeito pareça ser espontâneo.
A pintura já fingia descobrir acasos. Veja-se este quadro
de Norman Rockwell, “The Voyeur”. É uma cena imaginada e pintada com tinta a
óleo, provavelmente durante dias inteiros, ou semanas. E no entanto seu charme
principal é a aparência de espontaneidade, de descontração, de ser aquilo um
momento fugaz da vida real que um artista registrou, não importa como.
(Norman Rockwell, "The Voyeur")
Algumas fotos parecem tão bem sincronizadas que fazem a
gente erguer a sobrancelha, com desconfiança. Esta foto de Tomás de Micheli, em
que Lionel Messi aparece com uma auréola angelical formada pela marca do
pênalti, é certinha demais, conveniente demais. Já vi gente discutindo que foi
posada pelo jogador, outros dizendo que a “auréola” foi feita digitalmente.
(foto: Tomás de Micheli)
E daí? Não sei o que De Micheli argumenta em favor de sua
foto, mas para mim o que vale aí não é o lado instantâneo, e sim o lado
alegórico. Uma foto imaginada, planejada, executada para criar uma idéia; ela
“parece” usar uma coincidência de posição, mas não é isto o seu valor
principal.
Um caso completamente diferente é o da foto abaixo, em
que a camisa do rapaz e o forro do banco do ônibus são idênticos. Foto
“armada”? Pode ser. Foto casual? Pode ser. Mas no caso de ser armada a foto não
tem nenhum sentido simbólico ou alegórico como tinha a foto de Messi. É uma
foto mais banal do que as fotos dos museus de Stefan Draschan. Uma foto cujo
único foco de interesse é a igualdade entre os dois tecidos, e isso só teria
graça verdadeira se fosse produto do Acaso.
Tive a sorte de usar o celular como uma câmera num passeio pelo centro do RJ. Estava próximo ao Museu do Amanhã; um bando de garotos pulando na água . Tirei várias fotos até escolher a melhor. É um momento e pronto. Outra, que eu adoro, é de um grupo de japonesas, jovens, num corredor de shopping, uma delas olha direto para mim.
ResponderExcluirAliás, aqui é Franklin Mello . Belo texto.
A foto do beijo foi montada.
ResponderExcluirNão vejo diferença entre a foto do banco do ônibus e as dos museus.
Eu fotografei um pedaço de arco-íris em linha reta, mas quando fui limpar a memória do celular acabei apagando, então fica como anedota.
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