É um livro crepuscular e
melancólico, e talvez por isto não tenha sido um sucesso de vendas (apesar da
ótima tradução de Ivanir Calado) quando o incluí na minha efêmera Série Rama, que
editei pela Editora 34, sob o título Uma
Pequena Morte (1993).
Selig é um desajustado, um arredio. Um protagonista que
de cara explode toda a expectativa do leitor de FC habituado a lidar com heróis
cuja missão é salvar o Universo. (Ou, em casos mais modestos, salvar a
Humanidade.) Ele não salva nem a si próprio. Seu relacionamento com outras
pessoas é problemático, porque ele é capaz de sintonizar o pensamento delas e
tem acesso a esse desvão proibido – “o que Fulano ou Sicrano realmente pensam e
sentem ao meu respeito”.
A infância de Selig não foi fácil, até ele descobrir por
conta própria (porque ninguém entendia as suas perguntas titubeantes) que as
outras pessoas não eram capazes de “escutar” o que ele escutava. Nunca foi bom aluno, “colava” nas provas,
estudava o menos possível, mas lia muito.
Adulto, ganha a vida fazendo bicos, como por exemplo
redigir dissertações e trabalhos para universitários preguiçosos. A indústria
dos “trabalhos fake” não é coisa recente. Selig tem um certo jeito para
escrever, e as informações estão à solta, por aí. As mentes humanas são uma
Internet que ele acessa sem dificuldade.
Dying Inside é
considerado um clássico, e é visto por muitos críticos como uma metáfora da
velhice – porque durante a narrativa tomamos conhecimento de que agora, por
volta dos quarenta e tantos anos, Selig começa a perder seus poderes
telepáticos. Antes, acessava os pensamentos de qualquer pessoa, mesmo um
transeunte anônimo na rua, com a facilidade de quem sintoniza uma estação de
rádio. Agora, não, Há momentos (cada vez mais frequentes) em que ele tenta,
tenta, e não consegue captar.
Silverberg é um prodígio na FC. Não é exagero dizer que
ele é o autor mais versátil de sua geração. Do ponto de vista estilístico, é um
sujeito camaleônico, capaz de saltar da aventura mais desenfreada para a
FC-cabeça mais erudita. Tão prolífico quanto Isaac Asimov, tão narrativamente eficaz
quanto Robert Heinlein, tão inovador quanto Harlan Ellison.
Ele tem um excelente ensaio autobiográfico, “Sounding
Brass, Tinkling Cymbal”, incluído em Hell’s
Cartographers (ed. Brian Aldiss & Harry Harrison, Harper & Row,
1975). Silverberg nasceu com o dom da escrita fluente, elegante (muitíssimo
mais que a escrita igualmente fluente de Asimov). Produzindo FC, fantasia,
livros didáticos e outros tipos de escrita-por-encomenda, ele confessa que aos
30 anos já estava rico, e pensando em se aposentar.
Eu escrevia com espantosa rapidez, vendendo quinze histórias em junho de 1956, vinte no mês seguinte, catorze (incluindo uma serialização em três partes) no outro mês. (trad. BT)
Ao amanhecer, tudo chegara ao fim. O teto não existia mais, o sótão fora destruído, meu escritório no terceiro andar era uma ruína, e os andares inferiores da casa, embora não queimados, estavam inundados de água, que rapidamente congelava.
Até 1967, eu escrevia meus textos, ambiciosamente, uma só vez, produzindo vinte ou trinta páginas de texto final todos os dias, e fazendo apenas pequenas correções a mão. Quando recomecei a trabalhar após o incêndio, tentei prosseguir assim, mas tudo avançava devagar, eu me via parando o tempo todo em busca de palavras, atrapalhando a narrativa; depois de meia lauda tinha que parar tudo e começar de novo, fazendo pausas para recuperar as forças. (...) Eu tinha me tornado um simples mortal como os demais, e tinha que produzir dois ou três rascunhos de cada página, às vezes uma dezena, antes de poder datilografar a versão final.
Se tomarmos Uma Pequena Morte como uma reflexão sobre a vida do autor, e não simplesmente uma metáfora da velhice, é possível pensar que rapidez e quantidade podem ser qualidades positivas para quem escreve, mas não são as únicas.
Após o trauma do
incêndio, ele passou um período difícil. Seu amigo Frederik Pohl lembra, em The
Way The Future Was (Del Rey, 1978, cap. 11, trad. BT):
Durante algum tempo chegou a parecer que a vida do casal Silverberg e a nossa estava intimamente ligada. Carol e eu sofremos uma morte na família, e depois um incêndio que danificou seriamente nossa casa, e quase a destruiu por completo; pouco depois, aconteceu o mesmo a eles. Bob me escreveu uma carta de reclamação, usando aquele tipo especial de ironia que disfarça um sofrimento real, dizendo que não estava gostando dessa história de recapitular as tragédias da minha vida, e pedindo-me o favor de avisá-lo o que viria em seguida, para que ele pudesse se preparar.
Ótimo texto, Braulio. E quando ocorreu o incêndiou ele estava escrevendo "Asas da Noite" (Nightwings), uma de suas histórias mais bonitas. A minha preferida dele.
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