O planeta de Aldebarã-5 tem uma civilização influenciada pelos colonizadores terrestres. Seu vocabulário exprime as características da natureza do planeta e o seu modo de observar os fenômenos da psicologia e da cultura. Confiram os verbetes abaixo, recolhidos, meio ao acaso, do Pequeno Dicionário Interplanetário de Bolso.
“Ospronk”: sonhos que constam quase totalmente de experiências
corporais: a sensação de estar sentado num lugar banhado de sol, de tocar numa
parede que vibra, de ter os cabelos remexidos por um vento forte... a tal ponto
que é impossível narrar o sonho em palavras, porque mesmos as palavras que usamos
não guardam nenhuma relação com a sensação que pretendem descrever.
“Corduflans”: certas explicações improvisadas que as
pessoas dão ao serem apanhadas de surpresa numa situação qualquer, sem tempo
para preparar uma versão convincente; e depois é preciso distorcer uma porção
de fatos ou de relatos para que nada daquilo entre em contradição com a
explicação que foi inventada sem muito preparo.
“Amburo”: pequeno fogareiro escavado no chão de terra,
nas cabanas do interior, sempre cheio de cinzas e brasas, para aquecer comida.
Em muitos lugares serve também como disfarce para o local onde estão enterradas
jóias, dinheiro, economias da família, etc.
Como o uso de tal disfarce é tradicional e de conhecimento público,
gerações sucessivas de pessoas o descartam, por inútil, e depois voltam a
adotá-lo.
“Smirro”: tarefas úteis executadas coletivamente e sem
pressa, como derrubar uma árvore, remover uma pedra, aterrar um brejo. Cada
pessoa que passa pelo local faz um gesto: o machado fica ao lado da árvore para
qualquer um dar um golpe, a pedra fica ao longo da estrada para qualquer um
revirá-la uma vez, há uma pá perto do brejo. Subentende-se que é proibido uma
pessoa sozinha assumir o trabalho; tem que ser feito por todos.
“Chussamp”: pequenas canções meio narrativas, com letras
absurdas e engraçadas, cantadas sempre numa mesma cadência, e que servem de
marcador de tempo para algumas tarefas domésticas, principalmente na cozinha.
Cantar do princípio ao fim Eu Vi Vocês na
Corda-Bamba marca o tempo ideal de preparação do chá de zuinn, que tem um bom efeito sobre a
atenção e aumenta a nitidez na vista.
“Ankh-ankh”: cavalos ou cães um tanto rebeldes que passam
a ser repassados para sucessivos donos, a fim de serem amansados de acordo com
um pequeno menu de regras básicas que todos tentarão aplicar, até que o animal
é devolvido ao dono original. Por trás desta prática vigora o princípio de que,
tal como um animal, uma pessoa tem que ser educada pela coletividade inteira, e
não apenas pela sua família de origem.
“Albalahn”: pequenas cerimônias íntimas que correspondem
a um “pré-aniversário”, e onde a pessoa acende velas, ergue um brinde, recita
preces ou versos e executa outras manifestações de esperança e respeito, tudo
isto com vistas a alguma coisa que deverá acontecer dali a exatamente um ano, e
que ela, ainda sem saber o que será, comemora e agradece por antecipação.
“Escarts”: assentos feitos de placas de vime, dobráveis,
que podem ser levados às costas (são muito leves) e depois desdobrados. Podem ser
usados em passeios, caminhadas, eventos ao ar livre, etc.; além da praticidade
para quem usa, são muito apreciados pelos artesãos que os fabricam, os quais
estão sempre inventando novos desenhos de encaixe e desdobramento, a ponto de
fazerem um banco para três pessoas caber, depois de dobrado, dentro de uma
mochila.
“Abforn”: o percurso sentimental que uma pessoa se obriga
a fazer quando visita sua cidade natal, e prepara uma lista de alguns lugares
para visitas obrigatórias: a casa de amigos, a escola onde estudou, o prédio
onde trabalhou, etc. É um percurso não
obrigatório, mas que a maioria das pessoas procura cultivar, como uma maneira
não apenas de revisitar boas ou más lembranças, mas de constatar a passagem do
tempo e as transformações que produz.
“Calbug-tan”: prece informal cuja primeira parte as
pessoas recitam quando perdem algum objeto (geralmente na própria casa, em meio
aos afazeres domésticos) e querem que lhes seja revelado onde está. A tradição
avisa que daí em diante virão “pistas” aleatórias sobre a localização dele,
através de palavras ouvidas à distância, referências a um aposento ou móvel,
etc. Ao ser encontrado o objeto perdido,
a pessoa deve recitar a parte final da prece.
“Lank-umm”: a percepção instintiva (e impossível de
explicar) que algumas pessoas têm com relação à casa em que vivem, e que lhes
permite saber intuitivamente, sem fazer esforço, em que parte da casa ou de
seus arredores está cada morador, em qualquer momento do dia; um talento tão
mais admirável quando se sabe que as famílias aldebaranes, somando seus
moradores, agregados e hóspedes, são sempre muito numerosas.
“Dik-dikken”: brincadeira de salão em que cada pessoa
escreve uma frase de duas ou três linhas, sobre um tema qualquer, com a
intenção de não revelar através dela a própria identidade; esses papeizinhos
são dobrados, misturados e depois lidos de um em um, enquanto as demais pessoas
da roda se arriscam a adivinhar quem escreveu cada trecho.
“Daoulb”: o individuo que se vê numa posição de
intermediário entre dois grupos, ou dois antagonistas, com a obrigação de
apaziguar um conflito e conduzir as duas partes a um acordo comum; em geral,
cada um dos lados o vê com desconfiança, encarando-o como um mero representante
dos interesses do seu adversário.
“Herlegan”: personagem folclórico, reconhecível por suas
roupas coloridas e seu comportamento meio distraído, meio anárquico; qualquer
pessoa que se vista assim e saia à rua será tratada de acordo, mas se por algum
motivo precisar “ficar séria” tem que tirar imediatamente a fantasia ritual,
sob pena de detenção por mau comportamento.
“Eswurten”: artesãos que, como atividade paralela de seus
ofícios (marceneiro, escultor, ferreiro, ourives, etc.) dedicam-se a produzir
cópias perfeitas de objetos fornecidos pelos clientes, seja para substituir um
original danificado, criar uma imitação para desviar a atenção de possíveis
ladrões, presentear alguém, etc. O termo
é usado muitas vezes em tom pejorativo, com a conotação de “falsário, fabricante
de mentiras”.
“Panj”: licor de
sabor forte e adocicado, que misturado a bebidas destiladas como o rum produz
um forte coquetel alcoólico; muito usado em ocasiões festivas quando as pessoas
se reúnem para beber e cantar a plenos pulmões, e invariavelmente descambam para
uma sessão de improvisação de versos de duplo sentido, em formas fixas
tradicionais, que provocam maior hilaridade quando recorrem ao absurdo e ao
despropósito.
Que legal! A gente participa desse universo lendo esses verbetes...
ResponderExcluir