segunda-feira, 3 de abril de 2023

4928) Dicionário Aldebarã XXIV (3.4.2023)



(ilustração: Moebius)


O planeta de Aldebarã-5 tem uma civilização influenciada pelos colonizadores terrestres.  Seu vocabulário exprime as características da natureza do planeta e o seu modo de observar os fenômenos da psicologia e da cultura.  Confiram os verbetes abaixo, recolhidos, meio ao acaso, do Pequeno Dicionário Interplanetário de Bolso.
 

“Ospronk”: sonhos que constam quase totalmente de experiências corporais: a sensação de estar sentado num lugar banhado de sol, de tocar numa parede que vibra, de ter os cabelos remexidos por um vento forte... a tal ponto que é impossível narrar o sonho em palavras, porque mesmos as palavras que usamos não guardam nenhuma relação com a sensação que pretendem descrever. 
 
“Corduflans”: certas explicações improvisadas que as pessoas dão ao serem apanhadas de surpresa numa situação qualquer, sem tempo para preparar uma versão convincente; e depois é preciso distorcer uma porção de fatos ou de relatos para que nada daquilo entre em contradição com a explicação que foi inventada sem muito preparo. 
 
“Amburo”: pequeno fogareiro escavado no chão de terra, nas cabanas do interior, sempre cheio de cinzas e brasas, para aquecer comida. Em muitos lugares serve também como disfarce para o local onde estão enterradas jóias, dinheiro, economias da família, etc.  Como o uso de tal disfarce é tradicional e de conhecimento público, gerações sucessivas de pessoas o descartam, por inútil, e depois voltam a adotá-lo. 
 
“Smirro”: tarefas úteis executadas coletivamente e sem pressa, como derrubar uma árvore, remover uma pedra, aterrar um brejo. Cada pessoa que passa pelo local faz um gesto: o machado fica ao lado da árvore para qualquer um dar um golpe, a pedra fica ao longo da estrada para qualquer um revirá-la uma vez, há uma pá perto do brejo. Subentende-se que é proibido uma pessoa sozinha assumir o trabalho; tem que ser feito por todos. 
 
“Chussamp”: pequenas canções meio narrativas, com letras absurdas e engraçadas, cantadas sempre numa mesma cadência, e que servem de marcador de tempo para algumas tarefas domésticas, principalmente na cozinha. Cantar do princípio ao fim Eu Vi Vocês na Corda-Bamba marca o tempo ideal de preparação do chá de zuinn, que tem um bom efeito sobre a atenção e aumenta a nitidez na vista. 
 
“Ankh-ankh”: cavalos ou cães um tanto rebeldes que passam a ser repassados para sucessivos donos, a fim de serem amansados de acordo com um pequeno menu de regras básicas que todos tentarão aplicar, até que o animal é devolvido ao dono original. Por trás desta prática vigora o princípio de que, tal como um animal, uma pessoa tem que ser educada pela coletividade inteira, e não apenas pela sua família de origem. 
 
“Albalahn”: pequenas cerimônias íntimas que correspondem a um “pré-aniversário”, e onde a pessoa acende velas, ergue um brinde, recita preces ou versos e executa outras manifestações de esperança e respeito, tudo isto com vistas a alguma coisa que deverá acontecer dali a exatamente um ano, e que ela, ainda sem saber o que será, comemora e agradece por antecipação. 
 
“Escarts”: assentos feitos de placas de vime, dobráveis, que podem ser levados às costas (são muito leves) e depois desdobrados. Podem ser usados em passeios, caminhadas, eventos ao ar livre, etc.; além da praticidade para quem usa, são muito apreciados pelos artesãos que os fabricam, os quais estão sempre inventando novos desenhos de encaixe e desdobramento, a ponto de fazerem um banco para três pessoas caber, depois de dobrado, dentro de uma mochila. 
 
“Abforn”: o percurso sentimental que uma pessoa se obriga a fazer quando visita sua cidade natal, e prepara uma lista de alguns lugares para visitas obrigatórias: a casa de amigos, a escola onde estudou, o prédio onde trabalhou, etc.  É um percurso não obrigatório, mas que a maioria das pessoas procura cultivar, como uma maneira não apenas de revisitar boas ou más lembranças, mas de constatar a passagem do tempo e as transformações que produz. 
 
“Calbug-tan”: prece informal cuja primeira parte as pessoas recitam quando perdem algum objeto (geralmente na própria casa, em meio aos afazeres domésticos) e querem que lhes seja revelado onde está. A tradição avisa que daí em diante virão “pistas” aleatórias sobre a localização dele, através de palavras ouvidas à distância, referências a um aposento ou móvel, etc.  Ao ser encontrado o objeto perdido, a pessoa deve recitar a parte final da prece. 
 
“Lank-umm”: a percepção instintiva (e impossível de explicar) que algumas pessoas têm com relação à casa em que vivem, e que lhes permite saber intuitivamente, sem fazer esforço, em que parte da casa ou de seus arredores está cada morador, em qualquer momento do dia; um talento tão mais admirável quando se sabe que as famílias aldebaranes, somando seus moradores, agregados e hóspedes, são sempre muito numerosas. 
 
“Dik-dikken”: brincadeira de salão em que cada pessoa escreve uma frase de duas ou três linhas, sobre um tema qualquer, com a intenção de não revelar através dela a própria identidade; esses papeizinhos são dobrados, misturados e depois lidos de um em um, enquanto as demais pessoas da roda se arriscam a adivinhar quem escreveu cada trecho. 
 
“Daoulb”: o individuo que se vê numa posição de intermediário entre dois grupos, ou dois antagonistas, com a obrigação de apaziguar um conflito e conduzir as duas partes a um acordo comum; em geral, cada um dos lados o vê com desconfiança, encarando-o como um mero representante dos interesses do seu adversário. 
 
“Herlegan”: personagem folclórico, reconhecível por suas roupas coloridas e seu comportamento meio distraído, meio anárquico; qualquer pessoa que se vista assim e saia à rua será tratada de acordo, mas se por algum motivo precisar “ficar séria” tem que tirar imediatamente a fantasia ritual, sob pena de detenção por mau comportamento. 
 
“Eswurten”: artesãos que, como atividade paralela de seus ofícios (marceneiro, escultor, ferreiro, ourives, etc.) dedicam-se a produzir cópias perfeitas de objetos fornecidos pelos clientes, seja para substituir um original danificado, criar uma imitação para desviar a atenção de possíveis ladrões, presentear alguém, etc.  O termo é usado muitas vezes em tom pejorativo, com a conotação de “falsário, fabricante de mentiras”. 
 
“Panj”: licor de sabor forte e adocicado, que misturado a bebidas destiladas como o rum produz um forte coquetel alcoólico; muito usado em ocasiões festivas quando as pessoas se reúnem para beber e cantar a plenos pulmões, e invariavelmente descambam para uma sessão de improvisação de versos de duplo sentido, em formas fixas tradicionais, que provocam maior hilaridade quando recorrem ao absurdo e ao despropósito.
 








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