1930. Publica Alguma Poesia (500 exemplares), sob o selo imaginário das Edições Pindorama, criado por Eduardo Frieiro. A edição é facilitada pela Imprensa Oficial do Estado, mediante desconto na folha de vencimentos do funcionário. Amigos oferecem-lhe um jantar comemorativo, em que é saudado por Milton Campos.
O “Epigrama para
Emílio Moura” é um poeminha crepuscular, mais um entre vários deste livro
de estréia, naquele clima de tristeza precoce que era tão tipico do jovem
Drummond,
Tristeza de ver a tarde caircomo cai uma folha.(No Brasil não há outonomas as folhas caem.)
Há dois efeitos bem visíveis nesta primeira estrofe. O jogo de palavras com a expressão “cair” (a tarde cai, a folha cai); e o abrasileiramento das idéias, um dos pilares do Modernismo. “No Brasil não há outono” é uma idéia curiosa para um mineiro, porque no Sudeste as estações do ano não chegam a ser tão visivelmente demarcadas como na Europa, mas pelo menos são registradas pela imprensa, pela população.
Tristeza de comprar um beijocomo quem compra jornal.Os que amam sem amornão terão o reino dos céus.
Um conceito bem de época esse de comprar um beijo, expressão que já vi usada muitas vezes, em contos e romances de cem anos atrás, como eufemismo para o sexo pago, o sexo prostitucional. Seria essa a intenção de Drummond? De qualquer modo, é a reiteração de outro lugar-comum modernista: a comparação entre a pureza dos sentimentos românticos de tempos atrás, e a sordidez do mundo moderno, que resolve todos os problemas puxando a carteira e perguntando quanto custa. (Essa comparação continua a ser feita em 2022, só que em outros termos.)
Tristeza de guardar um segredoque todos sabeme não contar a ninguém(que esta vida não presta).
A idéia do segredo íntimo que o poeta recolhe para dentro
de si e não conta a ninguém é uma imagem recorrente na obra do poeta. E esse
desabafo plebeu de que “a vida não presta” é um pensamento diante do qual os
Simbolistas e os Parnasianos recuariam, horrorizados tanto pela vulgaridade da
idéia quanto pelo plebeísmo da forma. Para eles, a poesia era para os temas
nobres e as frases profundas. Dizer “a vida não presta” equivalia a cutucar o
nariz ou cuspir no chão.
Esse plebeísmo proposital era uma das armas do Modernismo,
arma que provocou enorme rejeição em alguns círculos (“uma poesia mal-educada,
cheia de vulgaridades, onde já se viu?!”). Pouco importa que na vida real todos
proferissem as mesmas grosserias; só era proibido dizê-las em verso, ou pelo
menos nos versos que iam para os livros. Na mesa de bar, como hoje em dia, valia
tudo. (O livro A Conquista, de Coelho
Neto, retrata bem essa época do pré-modernismo.)
Drummond fez um uso consciente desse tom de voz
desabusado e sem pompa, indo até o famoso verso (no mesmo livro): “Aqui ao
menos a gente sabe que tudo é uma canalha só” (em “Explicação”).
Outro detalhe é a presença do que Drummond chamou um dia
de “cantar de amigos”, os versos em homenagem (ou dedicados) a amigos do peito.
Em Alguma Poesia há poemas dedicados
a Abgar Renault, Manuel Bandeira, Wellington Brandão, Mário Casassanta, Ribeiro
Couto, Gustavo Capanema, Afonso Arinos sobrinho, Cyro dos Anjos, Pedro Nava, Martins
de Almeida.
O único cujo nome aparece no título do poema é Emílio
Moura (1902-1971), um desses muitos amigos de juventude com quem Drummond
compartilhou as primeiras criações poéticas, e cuja presença insistiu em
registrar no primeiro livro publicado.
Aqui no saite poesia.net,
uma pequena coletânea dos poemas desse amigo introspectivo da fase mineira de
Drummond.
http://www.algumapoesia.com.br/poesia3/poesianet285.htm