Bons redatores assinam um livro iludindo olhares;
teoricamente, a verdadeira arte revela-se entre segredos.
O parágrafo acima é um acróstico. Se você não sabe o que
é um acróstico, mexa-se, bote para funcionar as pequeninas células cinzentas.
O acróstico é um dos muitos jogos de palavras
(“wordgames”, “jeux de mots”) que são praticados há séculos, talvez há
milênios, em muitas culturas, e sempre despertam nas pessoas de senso prático
uma surpresa contrafeita: “Mas que besteira, que perda de tempo, para que serve
isso?”
O acróstico, como recurso da escrita poética, por
exemplo, não é muito diferente da rima. A rima consiste em repetir, a
intervalos regulares, os mesmos sons, palavras que contenham sons iguais ou
parecidos.
A rima tem o pretexto de produzir um efeito estético,
quase melódico. Enquanto nossa mente intelectual decifra o “conteúdo” das
palavras, nossa mente sensorial vai registrando essas repetições, uma série de
pequenas expectativas sonoras que logo são satisfeitas.
Já o acróstico... é quase invisível. Ninguém lê um poema
prestando atenção à letra inicial de cada linha, a menos que tenha uma razão
prévia para isso.
Eis aqui um exemplo básico, do poeta Leandro Gomes de
Barros, assinando seu nome no folheto História do Cachorro dos Mortos:
Leitor não levantei falso
Escrevi o que se deu,
Aquele grande sucesso
Na Bahia aconteceu,
Da forma que o velho cão,
Rolou morto sobre o chão
Onde o seu senhor morreu.
No tempo dos reis, os poetas costumavam usar o nome dos
soberanos, numa coluna vertical de letras, para compor seus poemas. Poemas
religiosos e devocionais eram feitos no mesmo sistema.
C. C. Bombaugh, em seu fascinante “almanaque” de
curiosidades (Oddities and Curiosities of
Words and Literature, Dover, 1961, ed. Martin Gardner) dá exemplos de três
modalidades: o acróstico (onde palavras são formadas com as letras iniciais dos
versos, lidas verticalmente), o mesóstico (o mesmo, só que com a letra mais ou
menos no meio do verso) e teléstico (com a letra final de cada linha).
Ele chega a dar um exemplo latino, onde as três formas são usadas ao mesmo tempo:
Inter cuncta mitans Igniti sidera coelI
Expellit tenebras E todo Phoebus ut orbE
Sic caecas removet JeSus
caliginis umbraS
Vivificansque simul Vero
praecordia motV
Solem justitiae Sese probat
esse beatiS
A palavra “Jesus” é formada três vezes na vertical,
usando a tradição latina em que J e I se equivalem, e o mesmo para U e V.
Na literatura do cordel, o acróstico começou como uma
forma do poeta assinar o folheto disfarçadamente, para se prevenir de plágios e
apropriações. Depois que o recurso se revelou aos olhos de todos, os plagiários
ficaram alerta, e ele deixou de servir de proteção. Tornou-se uma tradição, um floreio estilístico, como neste exemplo de Antonio Américo:
Assinar disfarçadamente um texto era um desafio e um
passatempo para muita gente. Edgar Allan Poe, depois de ficar viúvo, teve um
namoro breve com uma dama, Frances Sargent Osgood, e dedicou-lhe um poema, “A
Valentine”, com assinatura disfarçada. As letras do nome dela apareciam de uma
em uma: a primeira letra da primeira linha, a segunda letra da segunda linha,
a terceira da terceira, e assim por diante.
Eis as quatro primeiras linhas do poema (que tem 20
linhas, usando as vinte letras do nome):
For her this rhyme is
penned with luminous eyes,
BRightly expressive as the twins of Laeda,
ShAll find her own sweet name, that nestling lies
UpoN this page, enwrapped from every
reader.
(…)
...e por aí vai. O poema completo pode ser lido aqui:
https://en.wikisource.org/wiki/The_Works_of_the_Late_Edgar_Allan_Poe/Volume_2/A_Valentine
Pode-se usar também o acróstico num texto em prosa, onde
ele acaba se diluindo e praticamente desaparecendo.
Há um episódio literário em que um acróstico serviu de
armadilha para enganar um autor. O escritor A. N. Wilson começou a escrever uma
biografia de Sir John Betjeman, “Poeta Laureado” da Inglaterra. Esse trabalho
provocou uma reação de ciúme de outro biógrafo do poeta, Bevis Hillier. Wilson
publicou uma carta atribuída ao Poeta, e depois ficou provado ser ela uma
falsificação: as letras iniciais das frases, a partir da segunda, formavam a
frase em acróstico “A. N. Wilson is a
shit” (“A. N. Wilson é um merda”). Depois, Hillier confessou ser o autor da
“pegadinha”.
A imagem abaixo, que peguei na Internet, mostra uma
experiência curiosa, aparentemente assinada por “Sairam Gudiseva, 3º. Período”. Ao invés de letras, usa palavras
inteiras. É um trabalho escolar sobre Física Quântica, mas na vertical o autor
ou autora colocou versos de uma canção pop de Rick Astley.
As possibilidades, como sempre, são infinitas.
Munto bão, meu caro.
ResponderExcluirLembrei que o Lewis Carrol tinha um acróstico sobre a Alice, este aqui:
Acrostic
Lewis Carroll - 1832-1898
Little maidens, when you look
On this little story-book,
Reading with attentive eye
Its enticing history,
Never think that hours of play
Are your only HOLIDAY,
And that in a HOUSE of joy
Lessons serve but to annoy:
If in any HOUSE you find
Children of a gentle mind,
Each the others pleasing ever—
Each the others vexing never—
Daily work and pastime daily
In their order taking gaily—
Then be very sure that they
Have a life of HOLIDAY.
Localizei ele aqui, deve haver outros por lá:
https://poets.org/poem/acrostic-0
Quando jovens, quase todos caímos na tentação do acróstico.
Eu mesmo, ao cortejar aquela que seria a mãe dos meus filhos, cometi este:
Ganhei prêmios e medalhas
Lembro, quando venci
Outras batalhas, sofrendo
Rendo-me! A do amor eu perdi
Isto só agora compreendo:
A glória é ser amado por ti.
Sei lá o quanto esse poeminha terá sido decisivo para o casamento e a consequente paternidade hehe.
Peguei na internet...tu és demais :Bom demais.Radicalmente.Arretado.Unico e Literal,naquilo q fazes... Índice de tudo de bom na internet.Ora, não precisas dela,ela q precisa de ti.
ResponderExcluirnão precisas,pegar