sábado, 21 de maio de 2022

4825) Minhas canções: "Batida"



(BT, no Teatro Lira Paulistana, foto Iroã Simões)
 
Minha vitoriosa carreira de cantor-de-bar começou em finais dos anos 1970, sucedendo a uma também vitoriosa carreira de cantor-de-mesa-de-bar.
 
Para os leigos a distinção pode parecer irrelevante, mas para os praticantes essa diferença é tudo e mais um pouco. Cantar em mesa de bar é justamente para os leigos, os diletantes, as pessoas felizes que estão ali apenas se divertindo. Cantar-no-bar é reivindicar o palco para si. E envolve conversar com o dono, mandar fazer cartazes e fôlderes, cobrar couvert artístico – em suma, sentir-se um Artista de verdade.
 
Nessa época, eu morava em Salvador, e além da capital baiana cantava em bares da Paraíba (Campina Grande e João Pessoa), e de Pernambuco (Recife e Olinda). Era um anônimo, um compositor de menos de 30 anos e sem nenhuma música gravada.
 
Isso foi mudando aos poucos, graças a Elba Ramalho, que me “amadrinhou” gravando algumas canções. Mas a essa altura eu já tinha aberto uma franquia cordelesca que me ajudava a faturar alguns caraminguás noturnos, além do famoso “couvert”. Através dos meus contatos com os cordelistas, comecei a editar folhetos com as letras das músicas que cantava no palco.


 
Este folheto foi homenageado anos depois pelo meu futuro parceiro Silvério Pessoa, num CD homônimo. O folheto trazia as letras das músicas “A Hipótese do Hipopótamo Tartamudo”, “Batida”, “Parece que é Rock”, “Soberano Desprezo”, “Meu Pai”, “Calango, Jumento, Mosquito e Preá” e “Caldeirão dos Mitos”.
 
Não dava para sobreviver mas ajudava. Digamos que eu vendesse um folhet por 5 reais; tinha noite em que eu chegava a vender 50 ou 100. Era uma grana extra que às vezes equivalia ao que era arrecadado com o “couvert” ou ingresso.
 
“Batida” era uma das canções típicas dessa época, e forneceu o nome, “Batida de Madrugada”, do meu primeiro show pra valer em espaço nobre – o Centro Cultura Luís Freire (Olinda), ao lado do meu parceiro Zeh Rocha, em 1979.


(com Zeh Rocha) 
 
Eu tinha várias canções melodicamente mais elaboradas, com dedilhado lento, e apesar de não serem tecnicamente blues eu as batizei de “blues etílicos”, porque quase todas falavam em bebedeira e dor de cotovelo. Eram canções como “Atlântico Blues”, “Cabelo de Espantalho”, a própria “Batida”, etc.
 
Depois que vim morar no Rio, descobri a banda Blues Etílicos, e houve uma conexão telepática imediata. Alguns anos se passariam até ficarmos amigos e eu compor, a pedido de Flávio Guimarães, a letra da “Balada de Robert Johnson”, que ele e Sebastião da Silva gravaram brilhantemente.
 
E no papo-vai papo-vem com Flávio, Otávio, Greg e o resto da turma acabei me lembrando da minha velha “Batida”, que eles gravaram de maneira divertida e escrachada em 2003, no álbum Cor do Universo.
 
Aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=44l-I2xLCko
 
Muitas das minhas músicas daquela época estão longe do esquema habitual das canções de MPB: primeira parte, segunda parte, refrão, etc. Elas seguem o esquema da canção folk: uma estrofe musical simples, que se repete sempre igual, com letra diferente. Pense em “Asa “Branca”.
 
“Batida” é uma dessas letras que poderiam ser esticadas indefinidamente, porque admitem uma espécie de mote, mudando apenas a palavra final, e sugerindo infinitas rimas.
 
 
 
 
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BATIDA
(BT)
 
Quando o tempo vai roendo
os ossos do calendário
e você envelhecendo
como um lobo solitário,
ainda existe uma saída
pra salvar o coração:
basta um copo de batida
de limão.
 
Quando alguém deixa os teus braços,
sai voando, e vai viver,
e o teu amor feito em pedaços
leva tempo pra morrer...
Pra curar essa ferida
de uma paixão que se acaba
basta um copo de batida
de goiaba.
 
Quando a noite desce fria
como um fundo de uma lagoa
e ao amanhecer do dia
a luz dos olhos magoa,
pra que a alma dolorida
tenha onde repousar
basta um copo de batida
de maracujá.
 
Quando você já não quer
acreditar em ninguém
e os olhos dessa mulher
amam sem dizer a quem...
Para haver uma saída
ligando o eu e o tu
basta um copo de batida
de caju.
 
Quando todo mundo crê
que o que importa é ser feliz
e entre todos só você
sabe que não, mas não diz..
Para a boca contraída
imaginar que está sorrindo
basta um copo de batida
de tamarindo.
 
Quando o último segredo
torna iguais o não e o sim
e a gente encara sem medo
a rocha escura do fim,
pra curar o mal da vida
quando não restar mais nada
basta um carro e uma batida
de madrugada...
Basta um carro e uma batida
de madrugada...
 
E aqui, eu mesmo gravando em Natal, no estúdio DoSol, sob os auspícios de Ana Morena Tavares e Anderson Foca:
 
https://www.youtube.com/watch?v=oiZ8n3NodAM
 





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