Numa “live” recente que fiz sobre literatura policial,
recebi um pedido que não soube responder na hora, feito por Roberto Rocha, de
Campina Grande. Ele queria saber sobre antologias brasileiras de contos
policiais, visto que era exatamente o tipo de livro que eu estava acabando de
lançar: Crimes Impossíveis, uma
seleção de dez contos clássicos de mistério.
Fiquei de responder depois e é até melhor porque a
resposta sai mais completa, mais detalhada e mais útil. Estou colocando alguns
livros obscuros que somente em sebo podem ser obtidos, mas tenho a obrigação de
citá-los porque foram importantes na minha formação como leitor. Não é apenas
gratidão sentimental. É uma indicação, para os que se interessam pelo assunto,
do que era o mercado editorial brasileiro na época em que me formei como leitor
criança e adolescente – o final da década de 1950 e a década de 1960 por
inteiro.
E é engraçado, mas não lembro de muitas antologias
brasileiras de contos policiais. É uma pena. A função da antologia é revelar
autores. O leitor compra um livro onde aparecem 15 autores diferentes. Cinco
ele já conhece, são seus ídolos, e foi por causa destes que ele levou para casa
os outros. Chegando em casa, dá-se o milagre. Ele descobre mais uma meia dúzia
de futuros ídolos, e sua vida de leitor nunca mais será a mesma.
Foi provavelmente o que se deu comigo por volta dos dez
anos quando comprei esta beleza de livro da Editora Cultrix, que na época pôs
no mercado brasileiro dezenas de antologias da melhor qualidade (não vejo nada
parecido em nosso século 21).
Maravilhas do Conto
Policial teve introdução e seleção (e provavelmente tradução) do grande
José Paulo Paes, e foi organizada por Fernando Correia da Silva. Durante anos
eu sabia de cor trechos inteiros da introdução de JPP, com quem, depois de
adulto, cheguei a trocar algumas cartas.
Ao comprar o livro eu já era leitor de Conan Doyle, Edgar
Allan Poe, Agatha Christie, Edgar Wallace. Quando o li, descobri, para o resto
da minha vida, Dashiell Hammett, Jacques Futrelle, G. K. Chesterton e Ellery
Queen, além de outros também importantes. E nos Crimes Impossíveis prestei uma homenagem indireta a meu livrinho
fundador, incluindo os contos de Poe e Futrelle. (E numa antologia que fiz
antes, Contos Fantásticos no Labirinto de
Borges, republiquei o conto de Chesterton, “O Esqueleto sem Cabeça”/”A
Honra de Israel Gow”).
Outra editora que fez muuuito pelo gênero policial foi a
Vecchi, do Rio de Janeiro. Além de publicar a série completa de Arsène Lupin,
ela editou as aventuras de Charlie Chan (escritas por Earl Derr Biggers) e muitos
outros. Com a marca Os Mais Belos
Contos... a Vecchi publicou também
muitas antologia no campo do terror e do fantástico.
Os Mais Belos
Contos Policiais dos mais Famosos Autores é outro volume que até hoje
guardo comigo (não o mesmo exemplar, claro); minha cópia é da 3ª. edição, de
1955. Aqui há alguns contos clássicos: “Cante uma canção de seis pence” de
Agatha Christie, “A porta e o pinheiro” de R. L. Stevenson (na verdade um
trecho extraído de um romance, uma narrativa independente da trama principal),
“No alto da torre” de Maurice Leblanc (uma aventura de Arsène Lupin) e “O
marinheiro de Amsterdam” de Guillaume Apollinaire. Além destes, há contos de
gente como Sax Rohmer, Conan Doyle, Edgar Wallace, e uma porção de autores
obscuros cujos nomes desconheço até hoje.
Não é propriamente uma antologia, mas é aquilo que as
contracapas chamam de “uma constelação de grandes estrelas de nossa
literatura”. O Mistério dos MMM (1964)
é uma experiência brasileira de narrativa “round robin”, onde um autor escreve
o primeiro capítulo de um romance, passa para outro que escreve o segundo, daí
vai para mais um que escreve o terceiro, e por aí vai.
O Mistério dos MMM,
idealizado por João Condé, teve seus capítulos publicados semanalmente na
revista O Cruzeiro, e depois saiu em
forma de livro. Os capítulos foram publicados nesta ordem: Viriato Corrêa, Dinah
Silveira de Queiroz, Lúcio Cardoso, Herberto Sales, Jorge Amado, José Condé,
João Guimarães Rosa, Antonio Callado, Orígenes Lessa, com o último capítulo
cabendo a Rachel de Queiroz.
Comentei o livro com mais detalhes aqui:
https://mundofantasmo.blogspot.com/2014/08/3577-o-misterio-dos-mmm-1482014.html
Obras Primas do
Conto Policial (Ed. Martins, 1960) é uma antologia que já tive várias vezes
e me desfiz várias vezes – toda vez que mudo de casa ou de cidade, metade das
minhas bibliotecas vai para o sebo. Tem uma boa seleção de contos, e entre eles
lembro de pelo menos dois clássicos: “O Sorriso da Gioconda”, uma rara história
de Aldous Huxley que pode ser incluída no gênero, e o clássico de suspense “As
Mãos do Sr. Ottermole”, um conto que revela o nome do assassino já no título
mas mantém o mistério até o final.
Tem também as antologias organizadas e escritas por
brasileiros. Não são muitas, porque ao que parece o gênero policial em nosso
país se manifesta mais através do romance do que do conto. Em todo caso, o
infatigável e olho-vivíssimo Flávio Moreira da Costa, organizador de muitas
excelentes coletâneas, produziu esta Crime
Feito em Casa (Record, 2006), reunindo contos de autores nacionais.
Quando um gênero literário é definido “lá fora”, a partir
de exemplos inventados em outros países, é difícil adaptar a ele histórias
brasileiras que foram escritas sem esse propósito. “O Enfermeiro”, de Machado de
Assis (em Várias Histórias, 1904) é
sem dúvida uma história de crime, ainda que um crime meio involuntário, e
somente o desejo de preencher uma antologia me levaria a incluí-lo (o que aliás
faria com a mesma presteza do mestre Flávio).
Mais importante do que Machado para nossa incipiente
literatura do crime e da investigação são os três volumas de contos de Luiz
Lopes Coelho (1911-1975): A Morte no
Envelope (1957), O Homem que Matava
Quadros (1961) e A idéia de matar
Belina (1968). Depois dele, vieram outros igualmente competentes como
Marcos Rey, Victor Giudice, Marçal Aquino, todos presentes nesta seleção.