sexta-feira, 9 de julho de 2021

4722) Antologias policiais brasileiras (9.7.2021)




Numa “live” recente que fiz sobre literatura policial, recebi um pedido que não soube responder na hora, feito por Roberto Rocha, de Campina Grande. Ele queria saber sobre antologias brasileiras de contos policiais, visto que era exatamente o tipo de livro que eu estava acabando de lançar: Crimes Impossíveis, uma seleção de dez contos clássicos de mistério.
 
Fiquei de responder depois e é até melhor porque a resposta sai mais completa, mais detalhada e mais útil. Estou colocando alguns livros obscuros que somente em sebo podem ser obtidos, mas tenho a obrigação de citá-los porque foram importantes na minha formação como leitor. Não é apenas gratidão sentimental. É uma indicação, para os que se interessam pelo assunto, do que era o mercado editorial brasileiro na época em que me formei como leitor criança e adolescente – o final da década de 1950 e a década de 1960 por inteiro.
 
E é engraçado, mas não lembro de muitas antologias brasileiras de contos policiais. É uma pena. A função da antologia é revelar autores. O leitor compra um livro onde aparecem 15 autores diferentes. Cinco ele já conhece, são seus ídolos, e foi por causa destes que ele levou para casa os outros. Chegando em casa, dá-se o milagre. Ele descobre mais uma meia dúzia de futuros ídolos, e sua vida de leitor nunca mais será a mesma.
 
Foi provavelmente o que se deu comigo por volta dos dez anos quando comprei esta beleza de livro da Editora Cultrix, que na época pôs no mercado brasileiro dezenas de antologias da melhor qualidade (não vejo nada parecido em nosso século 21).


Maravilhas do Conto Policial teve introdução e seleção (e provavelmente tradução) do grande José Paulo Paes, e foi organizada por Fernando Correia da Silva. Durante anos eu sabia de cor trechos inteiros da introdução de JPP, com quem, depois de adulto, cheguei a trocar algumas cartas.
 
Ao comprar o livro eu já era leitor de Conan Doyle, Edgar Allan Poe, Agatha Christie, Edgar Wallace. Quando o li, descobri, para o resto da minha vida, Dashiell Hammett, Jacques Futrelle, G. K. Chesterton e Ellery Queen, além de outros também importantes. E nos Crimes Impossíveis prestei uma homenagem indireta a meu livrinho fundador, incluindo os contos de Poe e Futrelle. (E numa antologia que fiz antes, Contos Fantásticos no Labirinto de Borges, republiquei o conto de Chesterton, “O Esqueleto sem Cabeça”/”A Honra de Israel Gow”).
 
Outra editora que fez muuuito pelo gênero policial foi a Vecchi, do Rio de Janeiro. Além de publicar a série completa de Arsène Lupin, ela editou as aventuras de Charlie Chan (escritas por Earl Derr Biggers) e muitos outros. Com a marca Os Mais Belos Contos... a Vecchi  publicou também muitas antologia no campo do terror e do fantástico.

 
Os Mais Belos Contos Policiais dos mais Famosos Autores é outro volume que até hoje guardo comigo (não o mesmo exemplar, claro); minha cópia é da 3ª. edição, de 1955. Aqui há alguns contos clássicos: “Cante uma canção de seis pence” de Agatha Christie, “A porta e o pinheiro” de R. L. Stevenson (na verdade um trecho extraído de um romance, uma narrativa independente da trama principal), “No alto da torre” de Maurice Leblanc (uma aventura de Arsène Lupin) e “O marinheiro de Amsterdam” de Guillaume Apollinaire. Além destes, há contos de gente como Sax Rohmer, Conan Doyle, Edgar Wallace, e uma porção de autores obscuros cujos nomes desconheço até hoje.


Não é propriamente uma antologia, mas é aquilo que as contracapas chamam de “uma constelação de grandes estrelas de nossa literatura”. O Mistério dos MMM (1964) é uma experiência brasileira de narrativa “round robin”, onde um autor escreve o primeiro capítulo de um romance, passa para outro que escreve o segundo, daí vai para mais um que escreve o terceiro, e por aí vai.
 
O Mistério dos MMM, idealizado por João Condé, teve seus capítulos publicados semanalmente na revista O Cruzeiro, e depois saiu em forma de livro. Os capítulos foram publicados nesta ordem: Viriato Corrêa, Dinah Silveira de Queiroz, Lúcio Cardoso, Herberto Sales, Jorge Amado, José Condé, João Guimarães Rosa, Antonio Callado, Orígenes Lessa, com o último capítulo cabendo a Rachel de Queiroz.
 
Comentei o livro com mais detalhes aqui:
https://mundofantasmo.blogspot.com/2014/08/3577-o-misterio-dos-mmm-1482014.html



Obras Primas do Conto Policial (Ed. Martins, 1960) é uma antologia que já tive várias vezes e me desfiz várias vezes – toda vez que mudo de casa ou de cidade, metade das minhas bibliotecas vai para o sebo. Tem uma boa seleção de contos, e entre eles lembro de pelo menos dois clássicos: “O Sorriso da Gioconda”, uma rara história de Aldous Huxley que pode ser incluída no gênero, e o clássico de suspense “As Mãos do Sr. Ottermole”, um conto que revela o nome do assassino já no título mas mantém o mistério até o final.

 
Tem também as antologias organizadas e escritas por brasileiros. Não são muitas, porque ao que parece o gênero policial em nosso país se manifesta mais através do romance do que do conto. Em todo caso, o infatigável e olho-vivíssimo Flávio Moreira da Costa, organizador de muitas excelentes coletâneas, produziu esta Crime Feito em Casa (Record, 2006), reunindo contos de autores nacionais.
 
Quando um gênero literário é definido “lá fora”, a partir de exemplos inventados em outros países, é difícil adaptar a ele histórias brasileiras que foram escritas sem esse propósito. “O Enfermeiro”, de Machado de Assis (em Várias Histórias, 1904) é sem dúvida uma história de crime, ainda que um crime meio involuntário, e somente o desejo de preencher uma antologia me levaria a incluí-lo (o que aliás faria com a mesma presteza do mestre Flávio).
 
Mais importante do que Machado para nossa incipiente literatura do crime e da investigação são os três volumas de contos de Luiz Lopes Coelho (1911-1975): A Morte no Envelope (1957), O Homem que Matava Quadros (1961) e A idéia de matar Belina (1968). Depois dele, vieram outros igualmente competentes como Marcos Rey, Victor Giudice, Marçal Aquino, todos presentes nesta seleção.
 
 







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