(Douglas
Hofstadter)
É uma história com numerosas variantes, e vou contar uma
das mais simples.
Você é um indivíduo muito rico, e deseja comprar
clandestinamente alguma coisa, numa negociação que precisa ser feita às
escondidas, sem que ninguém tome conhecimento dela a não ser você e o vendedor.
Podem ser jóias roubadas, por exemplo. O preço é combinado entre os dois, de
maneira justa.
Vocês combinam também a maneira de realizar a transação.
Será à noite, num lugar oculto, discreto; digamos, num ponto específico de uma
floresta. Cada um levará uma bolsa fechada. Você leva na sua bolsa o dinheiro, e
o vendedor leva as jóias na bolsa dele. Na hora combinada, cada qual deposita
sua bolsa num local, e vai ao local onde o outro depositou a sua; cada um pega
o que lhe cabe, e vai embora.
Tudo combinado. Mas aí você começa a pensar. Porque... Se
você puser o dinheiro combinado na bolsa que vai levar, e o vendedor fizer o
mesmo com as jóias, ambos irão para casa felizes. Foi realizada a transação que
cada um considerou satisfatória.
Só que numa situação assim, você pensa: “E se eu levasse
uma bolsa vazia? Deixaria a bolsa no canto combinado, iria pegar a bolsa do
cara com as jóias, e sairia lucrando duplamente!”. De fato, é uma tentação. E
você pensa mais. “E tem outra. Se o cara se meter a esperto e deixar para mim
uma bolsa vazia... não vou ter prejuízo nenhum, porque a minha também estava vazia!”.
É um raciocínio tão óbvio que você não pode deixar de
pensar; “Ora sebo, o melhor então é levar logo uma bolsa vazia, porque desse
jeito ou eu ganho, ou ‘empato’, mas não tenho como sair perdendo.”
O que você talvez não pense, no meio de tanto entusiasmo
e esperteza, é que o vendedor a essa hora pode estar pensando exatamente a
mesma coisa, e tomando exatamente a mesma decisão. E é bem provável que, ao
invés de uma transação onde ambos vão para casa com o que queriam (você com as
jóias, ele com a grana), ambos voltarão para casa de mãos vazias, numa
transação frustrante onde o único consolo é pensar: “Ele não me passou a
perna”.
Essa situação básica, como falei, tem muitas variantes, e
o termo técnico para ela é “O Dilema do Prisioneiro”, por causa de uma variante
famosa onde a mesma questão é colocada em termos de dois prisioneiros que podem
delatar-se mutuamente (ou não) para ganhar a liberdade como prêmio.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Dilema_do_prisioneiro
O Dilema do Prisioneiro mostra, entre muitas outras
lições, os limites da Lógica para governar o comportamento humano. Muitos
governantes, filósofos, sábios etc. afirmam que usarão a Lógica para tomar as
suas decisões mais graves. Exemplos como o Dilema do Prisioneiro, no entanto,
mostram que a Lógica, por mais que pareça ser tão abstrata quanto a Álgebra ou
a Geometria, ou talvez por isso mesmo, é incapaz de nos indicar as melhores
ações dentro do quadro das relações humanas.
Em qualquer disputa, qualquer jogo, é essencial que o
jogador seja capaz de pressupor corretamente o pensamento e as intenções do
outro, para poder antecipar-se a ele. Edgar Allan Poe faz um arrazoado muito
metódico dessa questão em “A Carta Roubada” (1844). Neste conto, o detetive C.
Auguste Dupin usa o jogo de “par ou ímpar” para fazer essa análise, e parte
dela para uma comparação entre o raciocínio da polícia e o raciocínio de um
criminoso.
(Edgar Allan Poe)
É nesse aspecto, o de adivinhar o pensamento do oponente,
que a Lógica muitas vezes vai para o espaço, porque os seres humanos são
capazes de agir logicamente, sem dúvida, mas nem sempre o fazem, porque têm mil
e uma motivações paralelas que são mais fortes do que a Lógica. Têm emoções,
têm lealdades, têm superstições, têm maneiras contraditórias de raciocinar, têm
deformações ou bloqueios culturais, têm fraquezas de espírito... e, por conta
de um ou mais desses fatores, acabam agindo sem a menor Lógica, quando era a
Lógica que se esperava deles.
A Economia é uma ciência que muitas vezes mete os pés
pelas mãos porque conta com reações e comportamentos lógicos dos governos,
mercados, compradores, vendedores, empregadores, empregados, etc. Ora ora!... Quando sabemos que nossa
sociedade é uma máquina eletrônica de impor vetores não-lógicos de
comportamento a todo mundo.
Um aspecto curioso da vida humana é o fato de que nunca
sabemos o que as outras pessoas estão pensando. Podemos apenas ouvir o que elas dizem, ouvir o que os outros dizem delas, ver como se comportam, comparar esse
comportamento com o delas mesmas em outras situações ou o de outras pessoas em
situações parecidas... e com isso tomar nossa decisão.
Isto é importantíssimo no romance detetivesco, a partir
de Poe, porque o detetive, que procura pensar logicamente, deve sempre supor o
mesmo do criminoso, mas deve admitir também que o criminoso pode ter agido de
forma ilógica, por algum motivo que não foi possível descobrir ainda.
Nos romances de espionagem, ocorre algo parecido com a
nossa troca sub-reptícia de bolsas misteriosas na escuridão da floresta. Em
livro de espionagem, é preciso partir do princípio, o tempo inteiro, de que o
outro lado deve estar mentindo. Espião é um sujeito que mente o tempo todo.
Como naquela piada da URSS estalinista. Dois caras, Ivan
e Pavlov, se encontram na estação de trem, em Kiev. Ivan pergunta: “Para onde
está indo?” Pavlov responde: “Para
Leningrado.” Ivan pensa: “Ele diz que está indo para Leningrado para que eu
pense que ele está indo para Moscou. Então, deve estar indo é para Leningrado
mesmo, esse maldito mentiroso.”
As variantes do Dilema do Prisioneiro admitem uma
infinidade de situações que convergem todas para um problema básico. Se todo
mundo agisse de boa fé e partisse do princípio de que o interlocutor está
agindo de boa fé, ambos sairiam lucrando. Mas se em algum momento um dos dois
resolver agir de má fé, vai lucrar muitíssimo mais.
O exemplo das “bolsas na floresta”, que estou citando, é
de Douglas Hofstadter em sua coluna do Scientific
American (maio de 1983), recolhida em seu livro Metamagical Themas (New York, Basic Books, 1985). Esse raciocínio evolui
numa direção matemática onde todas as combinações de ações podem ser computadas
e receber valores numéricos. Existem por aí incontáveis manuais de “Teoria dos
Jogos” que analisam exatamente tais situações.
Posso estar errado, mas diante desses exemplos penso que
em numerosas negociações humanas (no comércio, na política, no casamento, nas
negociações de trabalho etc.) a certa altura acaba se reproduzindo essa
questão. Se ambos agirem de boa fé, cada um ganhará 5. Se um dos dois agir de
má fé, este ganhará 10 e outro fica sem nada. Como as pessoas escolherão agir?
E aí desembocamos num detalhe psicológico que me parece
importante. Numa sociedade tranquila, pacificada, não direi que seja utópica
nem ideal, mas em uma situação que podemos considerar “normal”, as pessoas
tendem a confiar um pouco mais nas outras e agir de acordo. “Eu vou entrar
nesse negócio de boa fé, e acho que esse Fulano aí vai fazer o mesmo, afinal se
fizermos isso vai ser bom pros dois.”
Mas, e quando isso acontece numa sociedade partida,
dividida, conflagrada, de ferozes disputas sociais, ideológicas, de pesados insultos
morais de parte a parte, de fortes manifestações de desprezo de parte a parte,
de antagonismo explícito, rancoroso?!
Em situações assim, o mais provável é que ninguém confie
em ninguém. Cada um já insultou e já foi insultado, cada um já perseguiu e já
foi perseguido, cada um já ameaçou e já foi ameaçado. Cada um imagina que o
outro entrará numa negociação com o máximo de má fé que lhe for possível.
Por que? Porque essa é a maneira mais Lógica de agir.