Conheci Silvério Pessoa lá pelos idos de Mil Novecentos e Cocada, quando ele era o vocalista da banda Cascabulho, e eles vieram se apresentar no Rio.
Tempos depois, durante um ano inteiro, foi a sede das
“Segundas Eletroacústicas” promovidas pela banda Cabruêra. Toda 2ª. feira eles
faziam um show e traziam convidados. Eu cantei lá numa noite em que o outro
convidado era B Negão, e sugeri que eles botassem no cartaz: “HOJE – B
Branquelo e B Negão”.
Voltando ao Cascabulho: depois do show, fui ao camarim
conversar com eles, porque não sabia muita coisa do repertório da banda e me
surpreendi vendo Silvério desfiar um rosário inteiro de cocos de Jackson do
Pandeiro. Ficamos amigos e alguns anos depois, tendo ele saído da banda e
começado carreira solo, fui várias vezes ao estúdio Drum, em Laranjeiras, perto
de onde eu morava, para assistir as gravações do disco de estréia, Bate o
Mancá, com o repertório do grande Jacinto Silva.
Eu sou um compositor que de vez em quando canta, Silvério
é um cantor que de vez em quando compõe. Talvez nem tão de-vez-em-quando assim,
porque já me mostrou muitas melodias. Mas acho que o sujeito que canta bem, que
tem a cancha e a malícia da recriação musical, tem um prazer especial em pegar
uma música já feita, já famosa, virá-la pelo avesso e perguntar: “Que tal
assim?...”, e a platéia fazer: “Uau”.
Vai conversa, vem papo, a gente se reencontrando no
Recife, no Rio, na Paraíba; Silvério me fez uma homenagem (chega uma idade em
que a gente recebe homenagens; é preciso estar preparado) usando num disco dele
o título Cabeça Elétrica, Coração
Acústico, que eu tinha usado num cordel de 1981, impresso na gráfica da
Casa das Crianças, de Olinda, reduto de cantadores e de cordelistas mantido
pelo saudoso Giuseppe Baccaro.
Silvério conta que na verdade me conheceu no palco antes
de eu conhecê-lo, pois me viu cantando numa “calourada” da UFPE, a famosa festa
pós-vestibular onde artistas se sucedem no palco cantando para um ginásio cheio
de estudantes de chope em punho. Eu gostava de cantar nesses ambientes, porque
se você sobe num palco sozinho com um violão e vê alguns milhares de pessoas
eufóricas, precisa apenas de meia dúzia de músicas com letra provocativa,
tonitruante e desembestada, e isso felizmente nunca me faltou.
Eis-senão-quando Silvério me manda uma música
parcialmente letrada, querendo que eu a finalizasse. A idéia era colocar uma
faixa com inserção de vozes e versos de cantadores de viola “de verdade”, e a
canção tinha que evocar os estilos da Cantoria.
Ajeitei os versos, pegando as idéias que já tinha,
escrevi mais alguns, pensamos junto na questão do refrão (que acabou ficando
“Eu vi a máquina voadora!”). E lá se foi Silvério pro Recife, e meses depois
fui eu, e entrando no estúdio da Luni ele me mostrou as fitas já gravadas. Ali
estava Alceu Valença compartilhando os vocais! Pedi uma cadeira. Ali estava meu
amigo Zé Vicente da Paraíba de viola em punho, cantando seus próprios versos
inspirados pela canção. “E o que eu posso querer mais?”
(Zé Vicente da Paraíba)
A canção em si tem um pouco desse visionarismo nordestino
high-tech, onde se misturam eletricidade e Tarô, entidades indígenas e objetos
voadores não identificados, subterrâneos coloniais e raio laser. Um clima
presente nos romances fantásticos de Luís Berto ou de Aldo Lopes, nas “mercadorias
e futuro” de Lirinha, no cinema futurista da Zona da Mata.
*******
https://www.letras.mus.br/silverio-pessoa/386050/
Eu Vi a Máquina
Voadora
(BT & Silvério Pessoa, 2005)
Zé Vicente:
Os heróis aviadores
ou sejam, aviadoras,
nessas máquinas voadoras,
pilotos e inventores;
mecânicos e projetores
com hidrogênio ou com gás
engenharia capaz
pra motores diferentes
cruzando várias correntes
das camadas siderais.
Eu vi a máquina voadora!!!
Saber que quem pensa não é a cabeça
por mais que pareça saber computar;
os nervos do corpo são cabos de modem
que sabem e podem sentir ou pensar.
Saber que um cachorro entende linguagem
que os seres humanos já nem sabem mais
que falta trabalho pra quem só trabalha
e tem muita metralha prá quem pede a paz…
Ô Ô Ô Ô Ô...
Saber que o olhar da criança colore
de imaginário o mundo real
e a curva do gume do fio do facão
tem o talhe da curva do canavial.
Saber que nem todos precisam de terra,
saber que nem todos sabem fazer pão…
E um verso vadio feito de repente
retrata pra sempre o que viu no clarão.
Ô Ô Ô Ô Ô...
Eu vi a máquina voadora!!!
Saber que os loucos e os visionários
são dicionários dos sonhos de Deus,
e as almas dos mortos na tribo dos índios
são discos luzindo nos céus europeus.
O flash da foto reflete na gota
de chuva no espinho do mandacaru,
e o brilho ilumina poetas que cantam
num pé de parede de Caruaru.
Ô Ô Ô Ô Ô...
Unindo os ponteiros da telepatia
e a voz invisível do computador
eu cruzo os espaços, eu viro energia
tesão de guitarra, trovão de tambor.
A mente se pluga num mundo de arquivos,
memórias binárias, visões digitais,
eletricidade transforma-se em vida
e os raios um dia serão animais.
Eu vi a Máquina Voadora!!!!
Eu vi a Máquina Voadora!!!!
(BT & Silvério Pessoa, 2005)
Os heróis aviadores
ou sejam, aviadoras,
nessas máquinas voadoras,
pilotos e inventores;
mecânicos e projetores
com hidrogênio ou com gás
engenharia capaz
pra motores diferentes
cruzando várias correntes
das camadas siderais.
Eu vi a máquina voadora!!!
por mais que pareça saber computar;
os nervos do corpo são cabos de modem
que sabem e podem sentir ou pensar.
que os seres humanos já nem sabem mais
que falta trabalho pra quem só trabalha
e tem muita metralha prá quem pede a paz…
de imaginário o mundo real
e a curva do gume do fio do facão
tem o talhe da curva do canavial.
saber que nem todos sabem fazer pão…
E um verso vadio feito de repente
retrata pra sempre o que viu no clarão.
são dicionários dos sonhos de Deus,
e as almas dos mortos na tribo dos índios
são discos luzindo nos céus europeus.
de chuva no espinho do mandacaru,
e o brilho ilumina poetas que cantam
num pé de parede de Caruaru.
e a voz invisível do computador
eu cruzo os espaços, eu viro energia
tesão de guitarra, trovão de tambor.
memórias binárias, visões digitais,
eletricidade transforma-se em vida
e os raios um dia serão animais.
Eu vi a Máquina Voadora!!!!
Eu tenho uma máquina voadora:
ResponderExcluirDá cada rasante em sentidos no ar
E pega invisível nos blogs de Bráulio,
A chave secreta para poetizar