O pessoal o considera uma espécie de romance de “Realidade
Alternativa”, porque o enredo postula que Antonio Conselheiro sobreviveu ao massacre de Canudos, tendo sido
retirado do arraial por um grupinho de seguidores, antes da derrocada final. Longe
dali, eles começam a fundar um outro arraial fundado no trabalho coletivo. O
mais interessante é a transformação que o Conselheiro sofre. Depois de se
recuperar da doença, ele corta a barba, o cabelo, para de rezar o tempo todo,
pede conselhos aos seguidores, enfim – transforma-se num líder de perfil mais
moderno e menos fanatizado.
Veiga o mistura no final com outras figuras históricas da
época que por motivos variados estão de passagem pelo sertão da Bahia. Entre
elas estão a compositora Chiquinha Gonzaga e o anarquista russo Piotr
Kropotkin. Veiga escreve de maneira
simples, compacta, sem encher muita linguiça, defeito que prejudicou um pouco
outro livro interessante dele, O Relógio
Belisário. Aqui, o melhor mesmo é sua tentativa de imaginar um “Canudos
passado a limpo”, pequeno, discreto, sem fanatismo, sem guerra, um Canudos mil
vezes mais utópico do que o Canudos real.
Comentei aqui no blog há alguns dias a Viagem
a Altemburgo (1990) de
Guilherme Figueiredo, cuja primeira versão é de 1955. É um romance utópico
seguindo o modelo tradicional onde um sujeito vai parar, inadvertidamente, numa
sociedade oculta e aparentemente perfeita, dirigida pela razão, pela lógica,
pelo espírito coletivo, etc. O que difere o livro de Figueiredo dos outros
dessa linha é que ele se diverte escrevendo. Em geral o romance utópico
brasileiro é muito pedante, muito professoral, muito politicamente correto, e a
primeira reação que produz no leitor é de “eu detestaria morar numa sociedade
assim”. O Altemburgo imaginado por ele é uma cidade olímpica, perfeccionista,
“do bem”, “de bem”, meio pretensiosa. Tem alguns detalhes meio surpreendentes –
quando alguém é eleito prefeito, por exemplo, é obrigado a tomar um preparado
que vai matá-lo no fim do mandato de cinco anos. Enfim – de idéias utópicas
está pavimentado o caminho do inferno.
https://mundofantasmo.blogspot.com/2020/12/4647-viagem-altemburgo-uma-utopia.html
Bartolomeu Campos de Queirós é um autor que vim a
conhecer através do grupo teatral Ponto de Partida, de Barbacena (MG). Vermelho
Amargo (Cosac Naify, 2011) é
uma noveleta de recordações de infância numa prosa intensamente poética,
elíptica, concentrada, e cheia de flashes muito perceptivos sobre vida
cotidiana.
Esses pequenos livros (às vezes chamados meio
impropriamente de romances, porque na verdade são muito maiores do que um
simples conto) costumam surgir obscuramente, revelar-se aos poucos, provocar
impressões profundas nos leitores e com isso se perpetuar. É a intensidade de
sua linguagem que os preserva, o seu impacto exigente sobre os leitores. Este
pequeno livro poderá ser tão duradouro (expandindo-se tanto na memória
coletiva) quanto Um Copo de Cólera (1978)
de Raduan Nassar, A Casa da Paixão (1977)
de Nélida Piñon e outras pequenas jóias compactas.
(continua nos próximos dias)